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Ecrã-Lapa

«Não há nada de tão subversivo em termos educativos como um televisor»
(O Valor de Educar, Fernando Savater, 2006)

O 'vanguardismo' de Zapatero, quando iniciou um novo ciclo de governação socialista em Espanha, passou também pela vontade expressa de «introdução da educação para os media nos currículos escolares e uma vasto plano de 'alfabetização digital' dos cidadãos» (JN 28/03/04, p. 20). Reflexo dos lúcidos alertas de Karl Popper e John Condry em "Televisão: um perigo para a democracia" (edição portuguesa na Gradiva, 1995)? Provavelmente. Só que a fórmula para sair da crise (seja ela qual for) é a mesma: aliviando-se a consciência cívica, remete-se a solução para a escola. E assim se vai empanturrando o currículo (depois queixam-se que os programas escolares são longos!)
Mas esta é uma frente condenada ao fracasso pois o poder dos media não cessa de aumentar, num "efeito cilindro" que tudo arrasa: os canais tentaculares multiplicam-se e a vontade de tudo ver (fatiado) cresce em paralelo. Implicação pedagógica óbvia: os programas televisivos «ensinam as crianças a abordar tudo de uma forma superficial». Uma tarefa não os consegue ocupar muito tempo (daí a rejeição ao livro). Não há lugar a trabalhos de fôlego. Tudo o que exija um pouco mais de tempo, pesquisa e profundidade? "é uma seca".
Por outro lado, e em termos de conteúdos, consomem, em regra, o pior dos enlatados num entretenimento fútil e abjecto que os infantiliza e embrutece: «A televisão me deixou burro, muito burro demais/ Agora todas as coisas que eu penso me parecem iguais» (canção dos brasileiros Titãs, 1996).
Mas ninguém prescinde do televisor. Nem crianças nem adultos. Quer em casa quer na rua. Ganhou tal centralidade quotidiana que se impõe até nos espaços públicos onde é suposto darmos atenção plena àquele(s) que nos acompanha(m): não há, por exemplo, café ou restaurante que o não tenha ligado em permanência e, em muitos casos, disponibilizando mais do que um aparelho (com os atractivos plasmas de dimensões para-cinematográficas a substituírem rapidamente o pequeno ecrã), para que o cliente, seja qual for a posição em que estiver sentado, não perca pitada da novela ou do futebol.
Mais recentemente, fortes concorrentes entraram no mundo juvenil. O interesse dos jovens balança agora entre "dois amores": a televisão e o portátil. Nos intervalos (muitos) o telemóvel. É a vitória da poligamia tecnológica. O ecrã-lapa prende-lhes a atenção, preenche-lhes o tempo, molda-lhes o comportamento, acentua-lhes o individualismo. E assim se instala o mutismo familiar. Pouco se partilha com os pais. Frente aos vários ecrãs se passam os dias, se esgotam as horas. Pouco ou nada se aprende.
Um ex-ministro da educação popularizou a expressão "difícil é sentá-los". Mas também aqui se equivocou. Frente à TV, o difícil é levantá-los. A televisão encolhe a mente e alarga o corpo. A "geração tabuleiro", que já não socializa as refeições com os pais pois há sempre algo urgente e imperdível no canal xpto, esparralhada no sofá, grudada ao ecrã vai-se progressivamente sedentarizando e engrossando o grupo dos obesos. Um estudo recente nos EUA (onde havia de ser?), divulgado na imprensa em Julho deste ano, considera que «a obesidade se dissemina como uma doença infecciosa, só que através dos laços sociais.» Ou seja, quem tiver um amigo gordo corre maior risco de engordar. Pois é, só que os amigos da moderna juventude são essa trilogia tecnológica: televisão-computador-telemóvel. Uns verdadeiros gulotões? do erário familiar.
Não é nada fácil ser-se pai nos dias de hoje. Mais ainda ser-se educador.


  
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Edição:

N.º 172
Ano 16, Novembro 2007

Autoria:

Luís Souta
Instituto Politécnico de Setúbal
Luís Souta
Instituto Politécnico de Setúbal

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