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Sindicatos e docentes marginalizados nesta regulamentação

Avaliação dos professores

Neste número do jornal a PÁGINA damos continuidade à recolha e divulgação de informação e de opinião sobre a avaliação dos professores. O tema é abordado não só no em FOCO (p. 26 a 30) mas também nas rubricas de alguns dos nossos colaboradores permanentes. Apesar do actual processo de regulamentação ter sido dado por terminado por parte da Administração a importância desta matéria faz com que o tema continue em aberto. A ele voltaremos em próximos números.
Não existem, que se saiba, modelos ideais de avaliação de docentes. Menos ainda modelos para a eternidade. Existem centenas de modelos diferentes. Uma primeira característica dos que funcionam é o de corresponderem às características do sistema educativo onde os professores trabalham. Outra é de serem modelos capazes de recolherem o maior consenso possível entre todos os que fazem parte da comunidade educativa. Porventura, uma das maiores fragilidades é serem impostos contra a vontade expressa dos educadores e professores.
Uma rigorosa avaliação dos professores ? e das escolas ? é indispensável à actividade docente. Ela deve ajudar a corrigir desadequações das práticas educativas e a apurar as praticas que produzem melhores resultados. O seu principal objectivo é contribuir para melhorar a qualidade do ensino, isto é, contribuir para que todos os nossos alunos tenham a oportunidade de desenvolver ao máximo as suas potencialidades, não só de aprendizagem mas de se construírem enquanto pessoas e cidadãos livres.
As sociedades actuais estão em transformação acelerada. O conhecimento nasce, vive e transforma-se de forma cada vez mais rápida. A população estudantil muda, e mudam as culturas. Por isso a prática profissional dos professores está sempre em reconstrução, sempre inacabada. A avaliação deve ser um instrumento que acompanha este processo de questionamento, adaptação e melhoria permanente. Mas a avaliação não desempenhará uma função benéfica se não for um processo de toda a comunidade educativa e em que todos acreditem.
Os sistemas de avaliação que funcionam, e se transformam de forma permanente e positiva, têm como característica serem consensuais entre os professores, os sindicatos que os representam e a Administração. Um consenso que decorre dos vários intervenientes lhe reconhecerem utilidade, credibilidade, transparência, equidade, qualidade técnica, flexibilidade, abertura, respeito pelos profissionais, e profunda adequação ao contexto real em que os docentes exercem a sua profissão.
Um dos maiores problemas de qualquer sistema de avaliação é ter uma rejeição frontal por parte dos avaliados e dos seus representantes. Nestes casos a sua aplicação está condenada ao fracasso, pois promove, no corpo docente, a multiplicação de focos de conflito, isolamento, marginalização, desmotivação e perda do sentido colectivo e de comunidade da acção educativa.
Ora o modelo agora imposto pelo Ministério da Educação (ME) foi totalmente construído à revelia dos professores e contra as suas organizações. Não só não se cuidou de chamar à participação os principais actores do processo avaliativo como, no que respeita aos sindicatos de professores, o ME não podia levar mais longe a sua recusa em permitir a participação destes na elaboração do modelo imposto. Este total autismo do ME ressalta da recolha de opiniões que a PÁGINA fez junto das organizações sindicais e cuja história a PÁGINA contará, assim haja espaço para o fazer
Existindo alguma diversidade na abordagem de questões de pormenor, retemos a ideia de existir um amplo consenso entre as organizações sindicais em relação a questões de fundo.
Existe unanimidade na ideia de que esta regulamentação peca, logo à partida, por ter por base um aspecto de um Estatuto de Carreira Docente, imposto pelo ME mas rejeitado com vigor por todas as organizações sindicais. Acresce que a ministra da Educação, Lurdes Rodrigues, se recusa a reunir com os sindicatos. «Não reúne connosco há dois anos, delegou no secretario de Estado da Educação ... e agora já nem o secretario de Estado tem aparecido, mas sim um técnico em representação da ministra da Educação», sublinha um dos dirigentes sindicais contactados. «Nós tentamos negociar, apresentamos documentos com alternativas, que no entanto, nunca são consideradas. Ou seja, a negociação é uma conversa de surdos, o ME não cede uma vírgula», acrescenta outra sindicalista.
«É um modelo destinado a implantar no terreno uma fractura da carreira docente em duas categorias, de forma que neste momento já não podemos dizer que somos todos professores ... Não é por acaso que nós colocamos a palavra negociação entre aspas... Somos recebidos pelo ME porque ainda há uma imposição legal, mas temos a impressão que nem somos ouvidos com um mínimo de atenção. Temos propostas. Defendemos uma avaliação rigorosa e contextualizada, não aceitamos é esta avaliação que o ME nos quer impor», diz José Manuel Costa da FENPROF.
«Sempre entendemos que a avaliação do desempenho dos professores teria de assentar numa base rigorosa e de exigência, mas isso não se alcançará com este modelo que não faz qualquer sentido», sublinha Lucinda Manuela da FNE.
«É um modelo burocrático e que assenta em itens de avaliação subjectivos, tais como a capacidade científica, a relação pedagógica com os alunos, o cumprimento ou não dos programas e os resultados finais dos alunos sem ter em conta, no mínimo, uma avaliação inicial de forma a poder-se ponderar a progressão final», critica Carlos Chagas da FNEI.
«O modelo de avaliação proposto corre o risco de se transformar num amontoado de papéis, num ritual sem sentido, seguindo-se o habitual tique burocrático de transformar os meios em fins", lamenta João Grancho da ANP.
Os sindicalistas lembram que uma avaliação capaz de contribuir para melhorar o desempenho profissional dos professores, e a qualidade do ensino nas escolas, tem de ser feita com a participação empenhada e profissional dos professores e educadores e não contra toda uma classe. São unânimes em considerar que a actual Ministra da Educação e o Governo estão mais empenhados em destruir as organizações sindicais do sector que em chamar os professores a uma efectiva participação nas mudanças de fundo de que o sistema educativo carece. «Cortar nos salários, bloquear a carreira, destruir o espírito critico dos docentes, domesticar a classe, são objectivos dominantes da política da Senhora Ministra e do Senhor Primeiro-Ministro. Não é por acaso que sofremos a perseguição que tem vindo a ser feita à nossa federação e aos nossos sindicatos, e que se vai intensificar em breve», afirma um dos sindicalistas da FENPROF.
São conhecidas algumas experiências de avaliação, a nível internacional, que foram colocadas no terreno sem o acordo dos sindicatos. Todas acabaram por gerar muitos problemas antes de serem deitadas para o «fracassão», o grande contentor das medidas fracassadas da educação. Importa, sem perda de tempo, começar a discutir e a construir um modelo que sirva e que se segue.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 172
Ano 16, Novembro 2007

Autoria:

José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.
José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.

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