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Sortilégios das cinzas dos vulcões

O cinquentenário da erupção do Vulcão dos Capelinhos (27 de Setembro de 1957) teve, seguramente, uma dimensão mediática inesperada para os portugueses, muitos dos quais só agora ouviram falar do vulcão que há 50 anos cobriu de cinzas o farol homónimo, na açoriana ilha do Faial, e provocou um êxodo assinalável de faialenses.

Visitei-o, já depois do 25 de Abril, há 30 anos (mais ano, menos ano), acompanhando o cantor Jacques Brel, um dos belgas mais famosos de sempre, então chegado aos Açores, num avião que ele próprio pilotava, em busca de umas férias pelo Atlântico, a bordo de um veleiro de luxo que, para o receber, tinha atracado, dias antes, no Porto da Horta.

Fui um dos cicerones de Brel no Vulcão dos Capelinhos circunstancialmente e por não o ter reconhecido. Dias antes, acompanhara ao iate do cantor um médico (pai da então minha mulher), aí chamado para travar uma constipação, mas nem eu nem o dr. Luís Carlos Decq Mota reconhecemos logo o doente. Nem mesmo quando, na hora da receita, disse chamar-se Jacques Brel.

Com a naturalidade de quem é generoso a receber, o dr. Decq Mota convidou Jacques Brel e a companheira a passar um dia numa casa que ele já possuía no Varadouro, a um quilómetro dos Capelinhos, casa onde a família habitualmente passa férias, convite que foi aceite, provavelmente pelo facto de ser claro que era formulado no desconhecimento da identidade "vip" do convidado.

Só que nem no Faial, e numa época mediaticamente ainda pouco agressiva, foi possível manter Jacques Brel no anonimato. O nome fez soar uma qualquer campainha e bastou uma visita à Tabacaria da Sorte, no rescaldo da consulta domiciliária do iate, para descobrir, num desses antigos discos de vinil, um LP do Brel com a fotografia do iatista engripado escarrapachada na capa.

Terá sido de um álbum que contemplasse o "Ne me quite pas // Il faut oublier // Tout peut s'oublier // Qui s'enfuit dejá "? Já não sei, mas também não importa. Só sei que as cinzas do vulcão continuavam, tantos anos depois, ainda quentes e que ainda apetecia cantar, como Jacques Brel, "Moi je t'offrirai // Des perles de pluie // Venues de pays // Où il ne pleut pas (...)"

P.S. Li algumas reportagens que o cinquentenário da erupção dos Capelinhos proporcionou, mas sem descobrir se as cinzas do vulcão continuam quentes. Meio século depois de todas aquelas "xaplosões" , como dizia uma faialense que completou quatro anos de idade na véspera da primeira "xaplosão" dos Capelinhos


  
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Edição:

N.º 172
Ano 16, Novembro 2007

Autoria:

Júlio Roldão
Jornalista do Jornal de Notícias
Júlio Roldão
Jornalista do Jornal de Notícias

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