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Tecnologias digitais para a inclusão social (II parte)

A expansão do acesso e a utilização das tecnologias digitais para promover a inclusão social não depende apenas da quantidade ou da qualidade dos equipamentos instalados e das linhas de acesso à Internet, nem mesmo de programas exteriores ao local que se instalam como "coisa" (ver o filme The Thing John Carpenter) para a qual dificilmente se encontra sentido. Se assim for a "coisa" ocupará uma tal centralidade que passará à margem dos indivíduos e dos processos sociais ? torna-se objecto de culto, de crença, de medo (ou de proibição) mas permanece fora da vida das pessoas e terminará fechado em lugar seguro ou na embalagem, ou no lugar de culto, isolado da vida quotidiana e do processo social para que se não deteriore e necessariamente se desactualize e torne objecto inútil.
Warschauer preconiza que um programa para a expansão do acesso e a utilização das tecnologias digitais para promover a inclusão social necessita:
a) do estudo prévio das estruturas sociais, dos problemas sociais, da organização social, das relações sociais, das práticas sociais locais ? aprender, colaborar, partilhar, progredir e de como estas se podem ampliar com o acesso e a utilização das tecnologias;
b) a identificação da centralidade do social e a capacidade dos indivíduos e das organizações para a inovação e a mudança. Não se trata de impingir as tecnologias às pessoas mas de criar a longo prazo comportamentos intrinsecamente motivados para o envolvimento nas tecnologias, para o aperfeiçoamento e adequação das tecnologias aos indivíduos e ao processo social. Isto exige mudanças sociais que facilitem a aprendizagem de novos comportamentos e melhorias nas condições de vida local;
c) a exploração dos efeitos catalíticos das tecnologias tendo no entanto em atenção que algumas mudanças não se devem propriamente às tecnologias mas podem simplesmente advir da interacção humana decorrente do próprio processo tecnológico;
d) dificilmente um projecto de desenvolvimento tecnológico depende só ou principalmente dos especialistas. Os líderes locais, as lideranças locais e as dinâmicas locais são decisivos para o sucesso dos projectos tecnológicos orientados para a inclusão social. Habituadas a gerir projectos sociais poderão os líderes ou animadores locais aprender a integrar nestes as tecnologias.
e) a organização, concepção, implementação e avaliação dos projectos tecnológicos para a inclusão social deverão ser abertos e flexíveis e partir de pequenas iniciativas. Os projectos centralizados, e implementados a grande escala sem espaço para experimentação e inovação local não satisfazem o desenvolvimento local e acabam por ter apenas um efeito transitório e superficial.
f) os mecanismos de mercado são eficazes na expressão e expansão do acesso às tecnologias mas não são suficientes para os processos tecnológicos de inclusão social. É necessário o apoio institucional à aquisição dos computadores e artefactos digitais (isenção de impostos, benefícios fiscais, aquisição/distribuição de equipamentos e de acesso à rede a baixo custo), à pesquisa sobre o desenvolvimento tecnológicos - hardware, software, artefactos, linguagens, etc., aos estudo das causas e consequências do acesso restrito, às questões do acesso a software livre (open source).
Estas talvez as razões para reflectir sobre os projectos que encontramos nas escolas, nos bairros, nas periferias urbanas, nas zonas afastadas dos grandes centros, nas comunidades isoladas ou para ler a obra de Mark Warschauer (Professor nos Departamentos de Educação e de Informática na Universidade da Califórnia) Technology and Social Inclusion: Rethinking the Digital Divide (2003) em que nos baseamos para organizar estas notas. Para mim a elaboração destas notas reponde à necessidade de construir referências e instrumentos teóricos antes da partida para trabalho de campo em Jequitibá, Estado de Minas Gerais no Brasil. A região, antigamente rica porque atravessada pela estrada real e objecto de múltiplos projectos de desenvolvimento, ficou à margem das mudanças sociais. Rica em capital social, em memória local e em património imaterial não conseguiu encontrar formas de superar a pobreza endémica que parece ter-se definitivamente instalado na região. Inicia-se porém um processo de criação de telecentros e de relação com as universidades através dos investigadores que ali realizam trabalho de campo. Esta também a razão destas notas e de pressupostos a ter em conta na investigação. A parte terceira destas notas decorrerá depois da passagem ao terreno.

Nota:
A 1ª parte deste artigo pode ser lida na Página de Agosto-Setembro ou em www.apagina.pt


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 171
Ano 16, Outubro 2007

Autoria:

José da Silva Ribeiro
Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais. Laboratório de Antropologia Visual. Universidade Aberta
José da Silva Ribeiro
Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais. Laboratório de Antropologia Visual. Universidade Aberta

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