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Das sociedades mediáticas como objecto de reflexão educativa
A destruição, numa plantação algarvia, de um hectare de milho transgénico, em 73 hectares possíveis, foi elevada à categoria de uma manifestação de carácter terrorista por uma parte significativa dos fazedores de opinião que a imprensa portuguesa vai acolhendo. Ainda que reconheçamos ser esse um acto ilícito, não deixamos de confessar a nossa perplexidade perante um julgamento tão severo. Que tipo de terroristas são estes que, perante a presença de um diminuto contingente da GNR, interrompem, de imediato, a acção que protagonizavam, sem oferecer resistência e deixando-se identificar?
Só por ingenuidade é que poderíamos acreditar que estamos, apenas, perante uma reacção emocional, e por isso excessiva, de mulheres e homens maduros e vividos que se sentem afectados pela dor do dono da plantação. Só por ingenuidade é que não atribuiríamos nenhum significado ao facto da generalidade da imprensa ter ignorado os alimentos transgénicos como fonte de debate, ao contrário do que é habitual acontecer em casos que envolvam um tipo de controvérsia pública equivalente àquele que temos vindo a analisar.
É por causa destas e de outras que importa perguntar até que ponto é que as sociedades mediáticas acabam por ser um instrumento de destruição, a prazo, de sociedades que se intitulam como democráticas. Trata-se de uma questão pertinente, sobretudo quando se vê aceitar a manipulação como modo de comunicação estrategicamente aceitável numa sociedade onde as regras da intercompetitividade se assumem como as regras da vida, legitimando-se, assim, a lei do mais forte como modo de governação inevitável. É uma questão, igualmente, pertinente quando se contribui, de forma deliberada, para que nos transmutemos de actores sociais em consumidores de uma realidade que tende a ser entendida como uma espécie de «reality show» e não como uma instância em cuja construção, de algum modo, todos participamos. É, finalmente, uma questão pertinente quando sabemos que o controlo político nas sociedades mediáticas embora se afirme juridicamente através do voto popular, constrói-se, na prática, através de modalidades mais ou menos subtis e poderosas de modelagem das crenças e de orientação das perspectivas sobre o mundo e os acontecimentos que acabam por condicionar aquele voto.
No debate público sobre educação, um dos principais problemas dos personagens que se situam no campo político democrático tem a ver com as dificuldades em lidar com o tipo de debate e de acção que ocorre nas sociedades mediáticas. Por vezes, entendem-se tais dificuldades como uma manifestação de incompetência, sem se cuidar de saber se não será, antes, uma manifestação de impotência no âmbito de um jogo onde a margem de manobra daqueles personagens não é tão ampla como alguns querem fazer crer. É que já sentimos na pele, e de que maneira, a manipulação declarada de dados que, sugeridos nos títulos dos jornais, são completamente contraditórios com os relatórios de onde foram extraídos. Já sentimos na pele como a valorização de algumas declarações sobre educação e escolas são avaliadas não pela plausibilidade e pelo rigor das mesmas, mas pelo estatuto que a imprensa atribui àquele que as profere. Um estatuto que quantas vezes se constrói como um exercício de maledicência que se limita a explorar o medo, a ignorância e as evidências de uma realidade que parece dispensar a análise cuidada e criteriosa.
Sabemos que aquilo que definimos como realidade foi sempre, e de algum modo, produto do olhar que aborda e interpreta essa realidade. Isso não significa, contudo, que esse olhar justifique uma leitura arbitrária da mesma ou, pelo menos, que o arbitrário de todos os olhares não possa e não deva ser tão controlado quanto possível, sobretudo quando gera notícias e comentários com um impacto público como aquele que é suposto a imprensa gerar. O problema das sociedades mediáticas, então, não tem tanto a ver com a arbitrariedade da leitura daqueles que são os seus mentores, mas com as razões que justificam, incentivam e difundem essa mesma arbitrariedade, de forma a que esta não só se torne aceitável, como constitua, igualmente, o fundamento das leituras que se tornam inevitáveis à força de serem divulgadas por um núcleo restrito de comentadores e de projectos editoriais que se caracterizam mais pelo que têm em comum do que por aquilo que os diferencia.
O que fazer?

  
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Edição:

N.º 171
Ano 16, Outubro 2007

Autoria:

Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto
Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto

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