Página  >  Edições  >  N.º 169  >  E o Brasil descobriu Portugal: um olhar sobre as comemorações do 25 de Abril

E o Brasil descobriu Portugal: um olhar sobre as comemorações do 25 de Abril
Conheci Portugal em 2006. Nessa altura, em uma semana que aqui estive, me apaixonei por seu povo amável, por sua cultura, por seus lindos jardins, por suas praças, pela História que vemos e sentimos em cada rua, em cada monumento, em cada igreja. Retornando em 2007, para um período de pós-doutorado, estou aprendendo mais sobre sua História, sobre sua cultura, sobre a fibra e a luta de sua gente... Essa fibra pude constatá-la recentemente nas comemorações da revolução dos cravos do 25 de Abril de 1974 ? data importante que está na memória e no coração de seu povo. Nesse caminhar, a democracia foi conquistada e podemos observar que, apesar de tantas vicissitudes, ela está sendo vivida por aqueles que a conquistaram e por aqueles que também têm lutado para fazer com que seja uma realidade na vida de todas as pessoas, nesses trinta e três anos.
Foi emocionante ver o valor que a democracia tem para esse povo tão gentil. A alegria contagia a todos. Há muito mesmo o que comemorar. Enquanto em alguns países vemos o desrespeito pela democracia e pelos direitos de todos e todas, em Portugal, por parte de crianças, jovens, adultos e idosos, vemos práticas que demonstram o orgulho pela conquista da democracia.
Pude observar, por exemplo, várias demonstrações e representações de luta pelos direitos. Mencionarei apenas duas situações das muitas que aqui constatei. Uma delas foi uma marcha de crianças de escolas públicas de Viana do Castelo e do concelho de Valença "alertando a comunidade para o direito de ir à escola em solidariedade com os 80 milhões de todo o mundo que não têm acesso" ? e, assim, aderindo à Campanha Global pela Educação. Outra foi uma iniciativa de uma Câmara Municipal que promoveu uma mostra sobre 'Rostos de Mulher', do programa 'Todos diferentes, todos iguais', que visa a "promoção do debate em torno dos direitos humanos, da diversidade e da participação". A este propósito, numa outra Autarquia local, observei igualmente o quanto o país avançou rumo à consolidação da democracia, através da presença de um número significativo de mulheres como Vereadoras. Esse é um dado importante pois mostra a participação das mulheres no sentido da igualdade de condições, sendo que, na maioria dos países, estamos sub-representadas na arena política.
Podemos mostrar algumas diferenças acerca da consolidação da democracia no Brasil, meu país, que também trás em sua História a luta de um povo para o seu desenvolvimento, em condições diferentes de Portugal. Na década de 1980 houve um intenso movimento em favor da democracia, no Brasil e em outros países da América Latina. No Estado de São Paulo houve mudanças tanto na administração pública quanto nas escolas, objectivando, dentre outras questões, melhor eficiência no investimento dos recursos públicos e maior participação das pessoas na elaboração e encaminhamento das políticas públicas, através, por exemplo, de órgãos como os Conselhos de Direitos, Conselhos de Escola, Associação de Pais e Mestres e Grémios Estudantis. Nos anos subsequentes, o ideal de democracia persiste e continuará persistindo pois uma cultura democrática está longe de ter sido conseguida na sociedade como um todo.
A teoria educacional crítica trouxe a reflexão sobre os problemas decorrentes da nova ordem mundial, globalizada e altamente tecnológica, para a sociedade e para escola. E o quotidiano comprovou as graves consequências que ainda afligem a sociedade como um todo: aumento da violência e do desemprego, dentre muitas outras.
Pode-se supor que todo este processo de avanços e retrocessos com vista à formação para a cidadania, condicionado por nossa herança histórica profundamente marcada por poucos períodos democráticos, pode explicar, em parte, o desconhecimento e até uma certa desvalorização da questão dos Direitos Humanos, não só pelas pessoas comuns mas também por profissionais da educação. Parece que uma conquista da humanidade tornou-se banalizada! Por isso, persistem práticas conservadoras e antidemocráticas talvez também pelo fato de os Direitos Humanos não terem feito parte, há mais tempo, do conteúdo dos cursos de formação de professores e do ensino ministrado nas escolas em todos os níveis, aliado ao fato de não se vivenciar na sociedade e no quotidiano escolar a democratização das relações humanas. Contudo, vemos também demonstrações de luta pelos direitos de todos por parte de crianças, jovens, adultos e idosos. Há também muitas iniciativas de luta por igualdade, pelo respeito e pela consolidação da democracia, apesar das dificuldades.
A Educação é reconhecida como meio fundamental na promoção e defesa dos direitos humanos desde a Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948, na Declaração Universal dos Direitos Humanos como também na Declaração e Programa de Acção de Viena, adoptado em 1993. Em 1996, acatando a recomendação da Declaração e Programa de Acção de Viena, o governo brasileiro edita o Programa Nacional de Direitos Humanos, afirmando que as universidades e os centros de pesquisas, bem como outras instituições, deveriam ter um papel activo para que o Programa se concretizasse. Estabelece, então, acções a serem desenvolvidas a curto e médio prazos na sociedade e, nas escolas, através do sistema de "temas transversais" nas disciplinas curriculares. Actualmente, um Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos foi elaborado visando a concretização da cultura democrática e em direitos humanos.
Esse breve texto mostra um pouco das dificuldades que alguns países ainda encontram para o desenvolvimento da democracia. Contudo, o que desejei mostrar foi a necessidade de continuar lutando pela democracia para que as sociedades se tornem mais humanas e justas. Que o belo exemplo de consolidação da democracia, demonstrado nas comemorações do 25 de Abril a que este ano assisti, se tornem realidade em todas as sociedades. Temos muito para aprender e partilhar nos trajectos e experiências individuais e colectivas que, em Portugal e no Brasil, estamos realizando.

  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 169
Ano 16, Julho 2007

Autoria:

Tânia Suely Antonelli M. Brabo
Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista - Campus de Marília-SP-Brasil.
Tânia Suely Antonelli M. Brabo
Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista - Campus de Marília-SP-Brasil.

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo