Fazendo uma rápida incursão em documentos oficiais do Ministério da Educação do Brasil, referentes à temática indígena, salta aos olhos a recorrente utilização da palavra diversidade. São várias as formulações e muitos os contextos em que ela aparece, estabelecendo maneiras de relacionamento e produzindo um modo de olhar para os distintos povos que habitam o território brasileiro. Expressões como "divulgação da temática indígena para valorizar a diversidade sócio-cultural do país" e "reflexão sobre a riqueza que a diversidade étnica propicia", adquirem relevo em discursos oficiais, tanto para justificar a incorporação desse tema na pauta dos assuntos escolares, quanto para buscar atribuir sentido a própria noção de diversidade. Para possibilitar o acesso à diversidade indígena, são definidas ações estratégicas como a produção de materiais didáticos específicos, a tradução de práticas culturais indígenas com uso de diferentes linguagens − documentários, livros de literatura, fotografias, estudos acadêmicos −, um amplo investimento implicado na busca por conferir certa ordem às coisas, e ancorado numa vontade de saber. Bhabha (2005) afirma que o termo diversidade é um legado de tradições colonialistas ou relativistas que se aproximam de discursos liberais: o pressuposto é que as sociedades são plurais desde seu surgimento, e se faz necessário instituir práticas democráticas que ordenem as relações no seu interior. A afirmação da diversidade está ancorada num entendimento de culturas como totalidades, sendo útil para a produção e atualização de uma identidade única e estável ? tal como a nação ? constituída como resultado de um encontro entre distintas culturas. Para nos identificarmos como brasileiros, por exemplo, freqüentemente lançamos mão de mitos fundadores e de características atribuídas a uns e outros povos que constituem essa nacionalidade. Na análise de Ferre (2001), a partir dos anos 1960 ganha relevo um conjunto de discursos sobre a diversidade que nos ensinam que somos uma sociedade "naturalmente" plural e que, por isso mesmo, devemos ser tolerantes e solidários. Esta "pedagogia da diversidade", como refere a autora, marca um terreno de disputas pelo significado, para definir o que conta ao narrar os outros, já que eclodem reivindicações de diferentes grupos sociais e adquirem visibilidade discursos articulados de muitos lugares. Falar de diversidade ao abordar a temática indígena, por exemplo, parece ser um modo de reconciliar a história e de harmonizá-la, conferindo relevo ao que pode ser celebrado, a um legado cultural, social, histórico, retirando do foco as relações de poder, os conflitos, os genocídios, as violências praticadas nas históricas e atuais disputas, em especial, pelo território. Na retórica da diversidade, não faz sentido indagar quem está autorizado a narrar, quem ocupa um lugar central numa política de representação e quem define os termos a partir dos quais se caracterizam os "iguais" e os "diferentes". É basicamente a partir das normas sociais desses "iguais" que se produzem as diferenças, que vão sendo narradas como desviantes, incomuns, indesejáveis. E são elas mesmas que, por fim, acabam por postular políticas de "tolerância" à diversidade! Sendo a diversidade entendida como "natural", obviamente não é pensada como algo que possa ou deva ser superado, e sim como uma característica das sociedades nacionais a ser aceita e suportada, desde que ordenada para que não se dissemine em rebeldia, para que não ofereça riscos, nem desestabilize as frágeis certezas. Tomada como menor e subordinada, a diversidade complementa e fortalece a identidade referencial. Problematizar a pedagogia da diversidade implica considerar que as diferenças se produzem em relações de poder e saber, prestando atenção aos processos de diferenciação, às estratégias de hierarquização e de sujeição. Significa ir além do reconhecimento e do acolhimento de uma multiplicidade de sujeitos e de práticas, para que se possa refletir sobre o modo como identidades e diferenças vão sendo constituídas e posicionadas na cultura.
Referencias:
- BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005.
- FERRE, Nuria Pérez de Lara. Identidade, diferença e diversidade: manter viva a pergunta. In: LARROSA, Jorge;
- SKLIAR, Carlos (org.). Habitantes de Babel: políticas e poéticas da diferença. Belo Horizonte: Autêntica, 2001, p. 195-214.
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