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A construção de uma educação inclusiva em Portugal não se pode basear na catalogação de alunos
Um dos pressupostos apresentados como justificação para a aplicação na Educação da Classificação Internacional de Funcionalidade, CIF, da Organização Mundial de Saúde (2001), prende-se com o despontar do modelo social, através de uma vertente de classificação da funcionalidade ligada à actividade e participação, combinando factores pessoais e ambientais na avaliação do indivíduo. A emergência do modelo social sobre o clínico, levou o Ministério da Educação a apresentar esta escala como um "novo paradigma" na avaliação das Necessidades Educativas Especiais.
Na nossa opinião nem este paradigma é novo, nem é o mais adequado para a Educação. Existem várias razões para pensarmos assim, vamos apenas abordar algumas.
Desde os anos 70 que os movimentos contra a exclusão, baseados na defesa dos direitos do cidadão com deficiência, motivaram o surgimento modelos baseados nos direitos de participação e cidadania, construindo a base de um modelo social. Trata-se de uma visão funcionalista da deficiência, pois coloca a sua caracterização no âmbito da interacção do indivíduo com a sociedade, descentrando para a segunda a responsabilidade de se adequar às necessidades individuais.
Na Educação, a abolição das categorias de deficiência é um aspecto positivo herdado das perspectivas sociais. Documentos como Education Act (1981) e Warnock Report (1978), criaram o conceito de Necessidades Educativas Especiais, NEE, que se centra nas respostas às necessidades educativas do aluno.
Das vantagens e contradições dos modelos clínico e social, (indivíduo-ambiente), nasceu na década de 80 o modelo de "escola para todos", ou "escola inclusiva". Esta resposta institucional emerge dos modelos anteriores como novo paradigma, tornando necessário investir na transformação da própria escola, para gerar mudanças efectivas e duradouras na educação de todos os alunos, tendo em conta igualmente as variáveis ecológicas. O modelo Inclusivo veio contribuir para a compreensão de como é importante o papel da escola e da turma, na forma como os alunos crescem e aprendem. Ao contrário dos modelos clínico e social, que subestimaram estes factores. As necessidades especiais, centradas anteriormente nos défices individuais, ou nas barreiras sociais, passam a ser também abordadas no âmbito da forma como as escolas se organizam.
Desde a década de 90 que Portugal assume oficialmente este modelo através de documentos legais, tendo trilhado um longo caminho na sua implementação. Pacotes de formação levados a cabo pelo Instituto de Inovação Educacional e pelo então Departamento de Educação Básica, desmultiplicaram pelo país as ideias centrais para a construção de uma educação inclusiva. Desenvolveram-se investigações, publicações diversas e instrumentos que operacionalizaram conceitos e promoveram a mudança nas práticas, como os projecto "Currículos Funcionais" (Costa e tal. 1996), "Aprender com a Diversidade" (Caldeira et al. 2002), "Pathways to Inclusion" (Eggertsdóttir e Marinósson 2005) ou "Índex for Inclusion" (Booth e Aiscow 2000), entre outros, cuja aplicação se disseminou em muitas escolas portuguesas pelos diferentes profissionais.
A alteração legislativa mais recente no sector foi introduzida pelo Decreto-lei nº20/2006 de 31 de Janeiro, que criou o Grupo de Docência de Educação Especial. As funções deste professor são: "promover a existência de condições para a inclusão sócio-educativa de crianças e jovens com necessidades educativas especiais de carácter prolongado", colocando definitivamente o caminho da Inclusão como acção central destes profissionais. Já em 2005, quando da reformulação do Despacho 105/97 pelo Despacho 10856/05 de 13 de Maio, era atribuída como função principal dos recursos e apoios educativos especializados a construção de uma "escola inclusiva".
Mas a educação inclusiva representa uma alternativa ao ensino integrado (nascido da escola tradicional) e não a sua continuação. Para que os agentes educativos operacionalizem a educação inclusiva, a resposta às necessidades individuais deve centrar-se em mudanças profundas nos currículos, na organização académica, na pedagogia praticada, no trabalho com grupos heterogéneos, no desenvolvimento dos profissionais, nos recursos e no envolvimento das famílias e da comunidade.
Analisada sob este prisma a CIF não apresenta soluções para a educação, nem promove o trabalho de construção de uma escola inclusiva. Tão pouco se adequa a crianças e jovens, não se entendendo a adopção de um instrumento vindo da área da saúde. Pode representar uma mudança importante de paradigma na saúde, ou no sector social, mas não trás nada de novo à educação especial, fazendo "tábua rasa" de todo um caminho já percorrido em Portugal e que importava agora aprofundar.
Não se pode defender determinado modelo na letra da lei e, ao mesmo tempo, levar a cabo medidas que perpetuam o ensino integrado e as práticas tradicionais.
A implementação da CIF na educação representa um risco, porque centra uma suposta "reforma", na mera classificação dos alunos, como se verificou no recente levantamento efectuado pelo Ministério da Educação. Em vez disso, deveríamos centrar-nos nas necessidades dos estudantes e nas respostas necessárias a implementar no seio da turma e dos contextos "normalizantes" da escola. Corre-se o risco de adoptar uma perspectiva "sócio-funcional" linear, esquecendo o carácter fulcral da participação em contexto escolar e nas aprendizagens curriculares, afastando os alunos da sua turma de referência e de uma abordagem inclusiva na sua educação.

  
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Edição:

N.º 167
Ano 16, Maio 2007

Autoria:

Jorge Humberto Nogueira
Mestre em Educação Especial
Jorge Humberto Nogueira
Mestre em Educação Especial

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