A Propósito de um Manual de História Europeia a Vinte e Sete
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Durante a presidência alemã da UE tem vindo a ser referida a proposta de um manual de História global comum, a utilizar nos 27 países membros. A ideia visa, certamente, contribuir para a formação de consensos para um projecto, cada vez mais difícil, de unidade europeia. Mas a ideia não é consensual sobretudo quanto ao que ela pode significar, nem quanto ao modo de a concretizar. Os legados da antiguidade clássica constituem uma das matrizes profundas da identidade civilizacional europeia, comum aos países membros da EU. Mas os percursos de cada um são marcadamente diferentes. Os cidadãos reconhecem-se como tal e reconhecem as suas identidades, nos espaços nacionais a que pertencem e só depois, como europeus. Para além de frequentes factores históricos de antagonismo e de separação entre os povos, permanece o distanciamento de identidades culturais que, justamente, geraram a diversidade das nacionalidades. Dificilmente o cidadão comum português vislumbra factores históricos comuns entre o seu país e a Lituânia ou a Bulgária sem que tal signifique antagonismos. Até ao fim dos anos 90, a CEE promoveu, com relativo sucesso, uma unidade económica e social entre os países membros. Então, como refere Timothy Ash (Courrier Internacional, 23 Março 2007) cada país tinha a sua própria maneira de contar o seu lugar na Europa e o lugar que a Europa representava dentro do seu país, mas havia denominadores comuns suficientes para duas gerações de dirigentes políticos moldados pela recordação da guerra. Agora não é assim. Para ser eficaz, um relato político tem de fazer a ponte entre a história de onde vem e uma visão estimulante de para onde vai. É isso que falta hoje à Europa. O alargamento da UE para 27 países e a candidatura da Turquia tornam mais difícil essa visão, suscitam medos e fazem temer a perda da coerência cultural. Surgem, portanto, dúvidas acerca do que virá a ser a tal História a Vinte e Sete com percursos tão diferentes. Quais são as peças narrativas que estruturam uma versão de História global e que estabelecem a ponte a que Ash se refere? Qual a coerência possível de uma tal versão histórica global que reflicta as diversas identidades nacionais? E, perante tamanha diversidade, quais são os denominadores comuns históricos que relevam desse manual? Como e quem os identifica? O que é necessário omitir do que somos para figurarmos numa versão única dessa História? Que relações de força na afirmação de uma determinada versão e concepção de conhecimento histórico? Como é tratado o etnicamente diferente no espaço europeu? Como incluir os factos determinantes da História da Europa com protagonistas não europeus? Qual o lugar desses Outros ? tão significativos! ? em tal manual? Parece, pois, difícil a realização livre e consensual de uma tal História global. No entanto, a ideia deste projecto pode ter implicações positivas, nomeadamente para repensar os programas e manuais das histórias nacionais de modo a abri-los a outros povos, em particular àqueles que protagonizaram, em comum, factos e conjunturas históricas. Naturalmente que cada país tem a sua própria visão da história, e os mesmos factos protagonizados por diversos países são, frequentemente, objecto de visões históricas opostas. A análise e debate desses factos é um domínio a privilegiar. É uma condição para compreender a outra parte e admitir que haja acontecimentos históricos objecto de interpretações diferentes. Se esse debate contribuir para melhorar os currículos e os manuais escolares de cada país será já um grande avanço (Marius Kopcsay, Courrier Internacional, 23 Março 2007). Este é um aspecto com significativa importância para o ensino da História em Portugal. É indispensável repensar os manuais e os programas de acordo com orientações mais integradoras da diversidade das perspectivas dos povos ? na Europa e PALOPs - com quem historicamente fomos construindo a nossa identidade. Este sentido de História multicultural constitui o caminho mais seguro de, a partir do que somos, conhecermos os outros, numa perspectiva que inclua a diversidade que somos e fomos construindo. Tal perspectiva conjuga-se com uma formação de professores que privilegie o estudo e o ensino da História de Portugal enquanto expressão de cruzamentos e partilhas com outros distantes e próximos.
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Ficha do Artigo
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Edição:
Ano 16, Maio 2007
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Autoria:
ESE de Lisboa
ESE de Lisboa
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