Os saberes que morrem de rir da e na escola
Risos desgovernados. Saberes que irrompem mal-educadamente nos espaços reservados à seriedade do ensino. O que sabe quem ri? Do que ri quem sabe? Se escreve sobre o que se ri? Se ri sobre o que se escreve? Essas perguntas investem o desejo da minha pesquisa de doutorado. Para começar a conversa vou tentar pensar nas formas que assumem os acontecimentos festivos nas escolas. Como nos ensina Bakthin [1996] (2) as festas ditas populares têm "uma diferença de princípio em relação às cerimónias oficiais sérias [pois] oferecem uma visão do mundo, do homem e das relações humanas totalmente diferentes, deliberadamente não-oficiais" (p.5). Nas escolas, para além dos rituais sérios, existe uma outra organização ritual, de tipo festiva. É a organização não oficial dos rituais académicos ou educativos. Assim, esse espaço-tempo (ritual) transitado tem seus próprios modos de fazer e produz diferentes representações das relações humanas e do mundo. Os praticantes assumem colectivamente a responsabilidade do acontecer da outra festa. Geralmente esses fazeres atraem um acaso imanente ao ser humano: o riso e o risível. Uma das questões que me interessa colocar como consideração especial é que, em muitos desses acasos o que vai se tecendo é um produto colectivo. Já Bergson [2003] (3) considerou que "nosso riso é sempre o riso de um grupo" As pessoas riem para banalizar o medo. A força do riso está no questionamento do poder que alguns acontecimentos investem: o riso libera o mais comum dos sujeitos humanos do medo do diabo porque nas festas não oficiais também o diabo aparece como pobre, tolo e contraditório. Mais ainda, porque o riso é quase totalmente desconsiderado como saber nas escolas, muito embora esteja o tempo todo acontecendo. Acaso existe um currículo risível? Acaso está permitido rir nos espaços académicos da formação de professores? É possível pensar que esse "humor humano" entranha saberes sobre as coisas do mundo? Me lembro de "O nome da rosa" de H. Eco, onde o livro proibido pela Igreja é aquele que valora o riso como modo de expressão que corresponde a uma possível verdade. O que significaria pensar nisso? Significaria, talvez, perder o poder que tem a enunciação do diabo (do castigo, da punição, da nota, do ridículo, da expulsão, etc.) e, justificar a possibilidade de que a linguagem popular ?geralmente grotesca- seja portadora de algum saber. É essa ambiguidade que entranha esse produto colectivo chamado RISO - como acontecimento múltiplo e plural que irrompe no cotidiano escolar e provoca, com essa irrupção, a interrupção ou suspensão momentânea dos saberes e poderes oficiais - o que desejo pesquisar no processo de doutorado. O riso não só como gesto de diversão, mas como desafio ao saber sério do mundo oficial, tido como verdade absoluta. Pesquisar questionando também a limitada literatura disponível sobre esse acontecimento. Considero essa falta como indicio não só da omissão do campo das ciências daqueles temas considerados banais senão, o que essa omissão -como ausência está colocando como presença. Imbuir-me do incómodo e do perigo que uma gargalhada provoca e que, às vezes, gera todo tipo de práticas de vigilância que tentam matizar, controlar didacticamente como actividade de tempo-livre, defini-la como conduta potencial de resiliência, modo de amenizar a relação professor-aluno, sem a possibilidade do questionamento desse incómodo como indício da trama paradigmática na que estamos submersos. Larrosa [2002] (4) no artigo "O elogio do riso" me ajuda na escrita sobre essa carência ou omissão política e na justificativa dessa minha pesquisa, Por que falar do riso? "Primeiro, porque em pedagogia se ri pouco (...) Talvez meu principal interesse em falar do riso seja a convicção de que o riso está proibido (...) e são as proibições e as omissões que melhor podem dar conta da estrutura de um campo, das regras que o constituem da sua gramática profunda" (p.170/71).
1) A pesquisa a que faço referência é "A má educação. Como não vou rir da escola?" que ainda se apresenta como um projecto a ser desenvolvido no Campo de Pesquisa Cotidiano Escolar do doutorado em educação da Universidade Federal Fluminense; a ser orientada pela professora Regina Leite Garcia 2) BAKHTIN, M.. A cultura popular na Idade Media e no renascimento. Ed. UNB e HUCITEC: S.P, 1993; 3) BERGSON, H.. La risa: ensayo sobre la significación de lo cómico. Bs. As. Losada, 2003; 4) LARROSA, J. Elogio do riso. IN: LARROSA, Jorge. Pedagogia profana. Danças, piruetas e mascaradas. Autêntica: B.H., 2000;
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