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Antes e depois de Bolonha, ser professor: Ciência, Arte e Estatuto

O que é ser professor? É exercer algo que tem a ver com uma postura científica? É apenas ser Pedagogo? Ou exige também ter algo de Artista? Claro que o professor tem hoje imensas tarefas burocráticas, político-administrativas, mas passa também por ele a construção de identidades nos seus alunos. Claro que, quando falamos de professores, há que ter em conta que há uma diversidade de docentes, em termos objectivos: educadores de infância, professores do 1.º ciclo (anteriormente professores do ensino primário, antes da publicação da 1.ª Lei de Bases, 1986) do 2.º ciclo, do 3.º ciclo, do secundário, do ensino superior politécnico, do ensino superior universitário, do ensino particular (em todos as anteriores graus). A esta tipologia de professores, correspondem, só por si, contextos que constroem modos de habitar a profissão, é inegável. Mas não há modos únicos de ser professor de determinado ciclo. A conduta dos professores é bem mais heterogénea dentro de cada grupo do que aquilo que às vezes se pensa.
Depois, há ainda os professores provisórios, de quem às vezes se diz que não se envolvem nos projectos educativos, o que é desmentido pela tese de Luís Ricardo (Ricardo, 2006), e os efectivos, entre outros.
E qual é a imagem social do professor por parte da sociedade em geral? Farão tanta distinção? Não!
E a imagem de uns professores sobre os outros? Os professores de cada ciclo concebem os outros de forma exterior, por vezes de forma pouco contextualizada ou até mesmo de forma pejorativa: os níveis anteriores são os responsáveis pelo fracasso escolar. Em geral, a comunicação entre diferentes é muito difícil. Nós, os professores, somos às vezes, vários nós. E não sabemos, de facto, o que fazem os outros. A sociedade, em geral, as outras profissões, essas, então, concebem a profissão de ser professor duma forma perfeitamente descontextualizada, alimentada pela experiência vivida enquanto alunos no passado: o professor serve para dar aulas. E qual é a imagem que os pais têm dos professores? A ideia do senso comum: 3 meses de férias? E a ideia dos alunos? Decalcada da sua própria gestão do tempo: quando os alunos estão de férias os professores também.
Enfim, assistimos a uma desvalorização completa da profissão de ser professor.
Como sabemos, com o Decreto Lei n.º 43/2007 de 22 de Fevereiro introduzem-se outras variantes de ser educador/professor: perfil para o pré-escolar, para o 1.º ciclo, para o pré mais 1.º ciclo, 1.º ciclo mais 2.º ciclo, etc., etc.
Daqui a quantos anos haverá uma imagem social dos modos de ser professor que se aproxime da realidade?
Publicam-se estatutos, novas tipologias de ser professor, nova legislação para a formação de professores e a distância entre o ser e o parecer ser aumentam cada vez mais.
"Saiu o semeador para semear a sua semente. Enquanto semeava, uma parte da semente caiu à beira do caminho, foi pisada e as aves do céu comerem-na. Outra caiu sobre a rocha e, depois de ter germinado, secou por falta de humidade. Outra caiu no meio dos espinhos, e os espinhos, crescendo com ela, sufocaram-na. Uma outra caiu em boa terra e, uma vez nascida, deu fruto centuplicado. (São Lucas 8, 5-8).
É relativamente fácil pensar que pode haver ensino sem aprendizagem e aprendizagem sem ensino direccionado por objectivos. Eis o mote para pensar este segundo compasso do texto. O professor é de facto uma pessoa e já o era antes da certificação profissional. A sua prática docente é mista de racionalidade e afecto, de bricolage e planificação. É a prática dum modo de ser tantas vezes desempenhado como um inconsciente prático. De facto nem sempre estamos a racionalizar o que estamos a fazer na prática lectiva.
Ensina-se a pintar mas não se ensina a ser pintor. Não é possível racionalizar todo o processo para depois se transmitir. Formar copiadores não é, de facto, formar pintores. Ensinar é, assim, uma arte, vivida, exprimida, idiossincraticamente, híbrida dos conhecimentos científicos detidos, de técnicas pedagógicas e de reflexividade permanente.
Por isso, para além do novo estatuto da carreira docente, o que é preciso é criar, (re)criar (re)inventar um novo modo de ser professor: Um professor que ensine a pensar, que ensine a aprender e que conquiste, de novo, o seu status e o afirme e reivindique, cientifica e pedagogicamente, junto dos seus alunos, dos pais, dos outros profissionais e junto da sociedade em geral. Para isso todos somos precisos. Somos nós que o poderemos fazer. A legislação, essa nunca o conseguirá sem actores e mesmo alguns transgressores, no sentido da criatividade.

Referências bibliográficas

  • Ricardo, Luís Filipe (2006). A participação Obrigatória na Escola: Perspectiva do Professor Não Efectivo, Tese de Mestrado em Ciência da Educação, não publicada, Universidade Portucalense, Porto.
  • Woods, Peter (1999). Investigar a Arte de Ensinar, Porto: Porto Editora.

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 166
Ano 16, Abril 2007

Autoria:

Ricardo Vieira
Escola Superior de Educação de Leiria, ESE-IPLeiria. Investigador do CIID - Centro de Investigação Identidades e Diversidades
Ricardo Vieira
Escola Superior de Educação de Leiria, ESE-IPLeiria. Investigador do CIID - Centro de Investigação Identidades e Diversidades

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