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Cacha descoberta à meia-noite em Dublin
Quando comecei a trabalhar como jornalista, em Coimbra, nos finais dos anos 70, movimentava-me bem nos meios médicos, nomeadamente entre aqueles que integraram a geração dos policlínicos que cumpriu serviço médico na periferia, protagonizando alguns dos mais comoventes e generosos momentos da Revolução do 25 de Abril.
Foi graças a esses contactos que o JN publicou uma grande cacha, ao noticiar o despedimento, pelo Governo, de 600 médicos policlínicos, antecipando a revelação de uma decisão política que o Ministério dos Assuntos Sociais queria retardar de forma a ganhar tempo para melhor enfrentar a mais que previsível contestação.
O Governo, pavlovianamente, desmentiu a notícia mas já não conseguiu evitar que o Diário da República publicasse, dias depois, o diploma a despedir os médicos, numa espécie de impotência censória a transformar o desmentido numa desonrosa mentira que acabou por salvar a minha própria carreira de jornalista.
Tivesse o ministério conseguido evitar a publicação do diploma e o meu futuro de jovem jornalista teria acabado nessa cacha. Pior ainda, o jornalista Albano da Rocha Pato, notável profissional então ao serviço do Diário Popular, que desenvolveu a mesma notícia e, por isso, foi levado a tribunal, teria sido condenado e não absolvido como foi.
Quero acreditar que hoje, como há 30 anos, conseguir obter um segredo de interesse para o público que mereça a dignidade de ser manchete ainda é motivo de orgulho para um jornalista. Refiro-me a uma manchete como a do despedimento dos 600 médicos policlínicos e não a outras parangonas menores que eu próprio consegui colocar na primeira página do JN.
Estou a lembrar-me, por exemplo, de certa noite, já perto da meia noite, em Dublin, em que fui falar com o então primeiro-ministro de Portugal, Francisco Sá Carneiro, ao hotel onde ele estava hospedado, para o confrontar com a notícia de que a Comissão Nacional de Eleições tinha considerado que ele estava a interferir ilegitimamente nas eleições presidenciais em curso.
Sá Carneiro atendeu-me com delicadeza e tolerância, à porta do quarto, mas não comentou a notícia pois disse estar a ter conhecimento dela, pela primeira vez, através da minha pergunta. Armada em cacha, esta curiosidade do jornalista ter sido mensageiro, num certo sentido inverso, foi manchete da edição do JN que saiu algumas horas depois. Um exagero.

  
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Edição:

N.º 166
Ano 16, Abril 2007

Autoria:

Júlio Roldão
Jornalista do Jornal de Notícias
Júlio Roldão
Jornalista do Jornal de Notícias

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