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Sobre a leitura
Ler é crescer. Mas ler implica atenção, trabalho, capacidade de descoberta e discernimento. Numa sociedade em que tudo se recebe, é inevitável que o chamado prazer da leitura não tenha grande significado para as novas gerações. A leitura é um processo dialéctico, obriga o leitor a interagir com a história, as personagens, os raciocínios e as ideias, numa atitude crítica e activa. Ler é também vivenciar, experimentar, "viajar" por outras formas de ser, de pensar, confrontando o leitor com personalidades diversas, pondo em causa ideias feitas e preconceitos, gostos e referências. Mas ler é igualmente recusa, coragem de desistir a meio quando o livro não agrada e, nesse contexto, limar o seu gosto e opções, compreender a subtil diferença entre não gostar e não prestar. O leitor cresce aprendendo que nem sempre o que lhe dá prazer imediato é bom e o que o aborrece não tem qualidade. Como escrevia Júlio Verne sobre o modo de ser dos britânicos, aquilo que custa é, na maior parte dos casos, bom para nós. Na sequência desta análise que nos parece positiva para todo o jovem em crescimento, o leitor deverá estar avisado do que significa realmente gosto e prazer de forma a dar oportunidade ao livro, à história, ao enredo e à mensagem; por vezes o interesse e a empatia não surgem logo no início, pelo que desistir é um acto de responsabilidade e conhecimento, próprio do leitor maduro e crescido.
Ler é viver, pelo que os livros são como percursos propiciadores de novos desafios e pondo constantemente à prova a perspicácia do leitor. O jovem que aprende a LER é aquele que além de juntar letras, palavras, frases e ideias, cresce à medida que desvenda os mistérios maravilhosos da leitura, qual gruta de Ali-Babá.
Não sei se o plano de leitura do Ministério da Educação a aplicar nas escolas, tem presente a enormidade da tarefa e as implicações estruturais consequentes ao nível da família, do ritmo dos dias, dos horários, dos interesses económicos, a maior parte deles incompatíveis com tudo o que signifique tempo para reflectir. Duvido que o neoliberalismo vigente se relacione bem com cidadãos inteligentes, críticos e leitores. Mas espero que a leitura não se transforme, num futuro próximo, numa excentricidade vista simultaneamente com desdém e comiseração pelos grandes senhores deste mundo dominado pelo dinheiro e pela especulação financeira.

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 165
Ano 16, Março 2007

Autoria:

Paulo Frederico Ferreira Gonçalves
Professor do 2º ciclo na Escola Básica S. Torcato - Guimarães
Paulo Frederico Ferreira Gonçalves
Professor do 2º ciclo na Escola Básica S. Torcato - Guimarães

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