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Políticas e práticas educativas baseadas em dados verificáveis?
Na última década desenvolveu-se, num crescendo de intensidade e num crescendo de sofisticação e leque de matizados, um debate acerca da desejabilidade e possibilidade de se basear a política e a prática educativas em dados sólidos, em 'dados verificáveis'. Este movimento foi inicialmente construído como uma base para usar dados 'científicos' como fundamento científico para as decisões em política e práticas educativas. Esta perspectiva foi muito inspirada no modelo baseado em dados verificáveis da prática em medicina. Foi também muito centrado na preocupação em descobrir 'aquilo que resulta' em educação (o que é uma questão de tipo completamente diferente) e em conseguir o máximo possível de mais valia da educação.
Houve várias tentativas para refutar e questionar o valor em educação quer do modelo médico, quer da perspectiva 'daquilo que resulta'. Nos termos do primeiro, foi relativamente fácil demonstrar que o modelo experimental disponível em medicina não é exequível, por exemplo, no campo da educação. Um exemplo que acho útil de dar é o caso do cancro da próstata. Foi diagnosticado a um amigo e colega meu essa doença, tendo este de imediato consultado os colegas da Faculdade de Medicina da nossa universidade no sentido de saber se seria a cirurgia ou a radioterapia a maneira mais eficiente de levar de vencida o cancro. A sua demanda foi inútil. Nenhuma das equipas estava disposta ou, mais precisamente, se mostrava capaz de comparar a eficiência dos dois tratamentos, dado que só conheciam a sua própria literatura e não a relativa à abordagem alternativa. Assim, mesmo a mais 'pura' das abordagens através dos dados verificáveis está longe de ser compreensiva ou confiável no que diz respeito às suas descobertas e recomendações.
No que diz respeito à segunda perspectiva, a assunção de que 'o mesmo serve para todos' acaba por não conseguir reconhecer que em educação, mais do que noutras áreas, não é suficiente perguntar se resulta, mas o que é que resulta, para quem e em que circunstâncias?
Contudo, estas questões têm sido amplamente discutidas e não constituem o tema central que eu gostaria de trazer aqui. Aquilo para que eu gostaria de chamar a atenção é para o facto de que sejam quais forem os meios, os métodos e o foco da política ou prática baseadas em dados verificáveis, o que é claro é que estes não só necessariamente definem '(política ou prática) educativas', mas também que são necessariamente decisões políticas e não técnicas. Em conjunto, estas duas afirmações significam que aquilo que conta como educação é uma questão política e não técnica, e que aquilo que conta como sendo educação está constantemente a mudar.
Poderíamos mesmo dizer que é uma questão política pelo menos de duas maneiras diferentes: primeira, é política porque não há um significado consensual de educação, assim como não há consenso acerca de como a fazer. O que isto significa é que a escolha dos dados verificáveis sobre os quais se hão-de basear a política e a prática educativas revela-nos não só como 'fazer' melhor educação, mais eficiente, etc., mas também aquilo que 'é', num dado momento, educação. Uma forma simples, mas útil, de ver esta questão é reconhecer que a 'educação' é agora definida como, ou reduzida a, 'experiência de educação formal'. Assim, a abordagem da 'educação' em muitas jurisdições, tanto nacionais como transnacionais, é o 'número de anos de escola completados', enquanto que o Objectivo do Milénio para o Desenvolvimento da Educação é o de 'Assegurar a todos os rapazes e raparigas o curso completo da escola primária'. Desta forma, a prova de que a 'educação' está a acontecer, ou que aconteceu, é a frequência da escola, não uma conquista individual, um desenvolvimento colectivo, um incremento comunitário, ou qualquer outra coisa. Por um lado, estes critérios não nos dão ideia acerca daquilo que está efectivamente a acontecer, ou que se pretende que aconteça, nessas escolas, enquanto que, por outro lado, não nos dão qualquer ideia acerca do que poderá a educação ser para além disso, ou que poderá querer dizer, para além disso, ser educado ou educada. Na realidade, e certamente seguindo o movimento dos dados verificáveis, o que é provável é que o que está efectivamente a acontecer na 'escolarização' é o que se coaduna com os critérios de 'qualidade' ? e o primeiro critério para a medida da qualidade é aquilo que pode ser medido quantitativamente, isto é, uma forma particular de dados. Isto pode ser claramente visto nos Estados Unidos, onde a prática baseada em dados verificáveis é dirigida no sentido do estabelecimento de factores que afectam o desempenho escolar das crianças e, desta forma, baseada no modelo neo-médico das medições aleatórias.
Quando Tony Blair fez o famoso resumo das prioridades do governo do New Labour ?'Educação, Educação, Educação' ? teria sido bom acreditar que aquilo que ele tinha em mente a propósito de 'Educação' não era apenas uma só prioridade cuja importância seria reforçada pela repetição, mas que se tratava de algo múltiplo e multifacetado que teria a capacidade de se introduzir nas vidas das comunidades e dos indivíduos numa ampla variedade de formas, para o que uma ampla diversidade de formas de prova e de dados seria mobilizada. Infelizmente, é agora evidente, e não só no Reino Unido, dado que se expande pelo mundo todo, que o tipo de dados verificáveis identificados definem o que é hoje educação de uma forma assaz pobre e estreita.

  
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Edição:

N.º 165
Ano 16, Março 2007

Autoria:

Roger Dale
Univ. de Bristol, Grã-Bretanha
Roger Dale
Univ. de Bristol, Grã-Bretanha

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