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Afinal, a quem serve a TLEBS?

Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário foi suspensa

Desde o acordo ortográfico luso-brasileiro que a língua portuguesa não se envolvia numa tão grande polémica como sucedeu recentemente com a nova Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário (TLEBS). A nova terminologia, aprovada pelo governo no final de 2004 e que pretendia uniformizar os termos gramaticais ensinados nas escolas, acabou por ser suspensa e, de acordo com o secretário de Estado Adjunto da Educação, Jorge Pedreira, irá ser "revista do ponto de vista científico e adaptada do ponto de vista pedagógico" até ao final deste ano lectivo. A formação de professores está, entretanto, suspensa, mas o ministério ainda não explicou o que vai acontecer aos manuais já adoptados.
Antes do anúncio formal do governo, a TLEBS havia sido alvo de uma petição na Internet, lançada por um grupo de pais e encarregados de educação, onde se pedia a sua "suspensão imediata". A petição, entregue ao Presidente da República, à Assembleia da República, ao Primeiro-ministro e à Ministra da Educação, reuniu mais de oito mil assinaturas e foi subscrita por 28 professores catedráticos, entre os quais quatro de Linguística.
Iniciada como uma experiência pedagógica, através da qual se pretendia avaliar a adequação científica e pedagógica dos novos termos e definições linguísticas propostas, a TLEBS foi generalizada já este ano lectivo aos alunos 3º, 5º, 7º, 9º e 12º anos de escolaridade de todas as escolas do ensino básico e secundário (seria alargada a todos os níveis de ensino em 2007/2008), devendo, após a reformulação em curso, abranger todo o sistema de ensino em 2009.
Aparentemente concluída a polémica em torno deste tema, A PÁGINA convidou quatro especialistas a redigirem um curto depoimento onde dessem a sua opinião sobre o verdadeiro alcance pedagógico de um instrumento científico como a TLEBS para a aprendizagem da língua portuguesa.
São eles Ana Cristina Macário Lopes, Professora Associada da Faculdade de Letras da Universidade Coimbra (integrou o Grupo de Trabalho que, no âmbito do Ministério da Educação, elaborou, em 2000, a proposta de Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário); José Augusto Cardoso Bernardes, Professor de Literatura Portuguesa da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra; Paulo Feytor Pinto, Presidente da Associação de Professores de Português; e Rui Vieira de Castro, Professor Catedrático da Universidade do Minho.

Nova TLEBS contrária ao bom senso e à versatilidade pedagógica

1. É razoável pensar na substituição ou no ajustamento profundo da Terminologia Gramatical publicada no Diário do Governo de há 40 anos (Portaria 22664). Desde que devidamente consensualizada, uma nova terminologia pode contribuir para atenuar os muitos equívocos (e dislates) que hoje prevalecem nos manuais e nas práticas lectivas.
2. A nova nomenclatura a propor deverá reflectir as aquisições consolidadas no domínio da investigação e revelar-se, ao mesmo tempo, de fácil aplicação pedagógica; é desejável que venha a constituir-se como referência para os agentes de ensino e para os utentes da Língua em geral, sem cair na tentação de se assumir como lei autoritária e inflexível. Por último, esse instrumento orientador deve ter em conta, tanto quanto possível, a realidade do ensino do Português como língua primeira e como língua segunda, em Portugal e nos muitos países espalhados pelo mundo onde a nossa língua é ensinada.
3. É manifesto que a TLEBS (publicada em Diário da República, a 24 de Dezembro de 2004, através da Portaria 1488) não reúne estes requisitos, em proporção adequada. Para além de tudo, é evidente que enferma de excessos de tecnicismo, em tudo contrários ao bom senso e à versatilidade pedagógica.
4. O ensino de uma Língua envolve aspectos culturais e cívicos do maior alcance, que não se esgotam na querela em torno de uma terminologia gramatical. Embora se admita como útil, a adopção de uma base de trabalho, a esse nível, está longe de constituir o problema mais importante que hoje se coloca aos professores e aos estudantes de Português. Parecia-me mais útil, por exemplo, que se instituísse um debate sereno e qualificado em torno dos objectivos a alcançar com o ensino da Língua, no sentido de encontrar novos equilíbrios entre a vertente comunicacional e a vertente cognitivo-cultural.
5. A Língua Portuguesa constitui hoje, para os portugueses (e, de forma diversa, para os restantes povos lusófonos) uma base patrimonial inestimável. Nessa medida, as questões relacionadas com o seu ensino justificam, por parte dos poderes públicos, um investimento prioritário e uma atenção rigorosa e permanente. Torna-se necessário, designadamente, reactivar a Comissão Nacional da Língua Portuguesa, dotando-a de meios para actuar como observatório e instância de aconselhamento, tendo em vista o estabelecimento de orientações sensatas, também no plano escolar.

José Augusto Cardoso Bernardes
Professor de Literatura Portuguesa da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra

De que falamos quando falamos de reflexão sobre a língua?

O projecto de elaboração de uma Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário surge num contexto em que a Nomenclatura Gramatical Portuguesa de 1967 é, na prática, ignorada por autores de programas, manuais escolares e gramáticas pedagógicas, tendo deixado de facto de constituir uma referência produtiva na área do ensino do Português.
Creio que ninguém põe em causa a necessidade de uma terminologia unificada, cientificamente actualizada, organizada de forma a incorporar aquisições consensuais e pedagogicamente relevantes da investigação linguística contemporânea, que possa nortear a abordagem do módulo sobre o funcionamento da língua, presente nos programas de Português.
A unificação terminológica é, a meu ver, uma ferramenta indispensável para se desenvolver um trabalho sério e sistemático de reflexão sobre a estrutura e os usos (oral e escrito) da língua, nas aulas de Português dos ensinos Básico e Secundário.
E desde já sublinho que, na minha perspectiva, a reflexão sobre a língua não se reduz aos saberes gramaticais que tradicionalmente têm sido contemplados no ensino, como núcleo duro estruturante: a morfologia e a sintaxe. Importa alargar o horizonte e incluir na reflexão gramatical áreas até hoje bastante marginalizadas, nomeadamente a semântica da frase e do texto, cuja pertinência advém do facto de a significação ser o ponto de partida e o ponto de chegada de toda a actividade linguística.
Por outro lado, considero que tal alargamento deve incluir também um conhecimento reflexivo sobre questões relacionadas com a variação linguística (regional, social e situacional) e com as características estruturais e funcionais de discursos/textos de natureza variada, orais e escritos. Neste sentido, julgo que uma terminologia unificada deve contemplar estas diferentes áreas, tendo sempre como princípio estruturador a neutralidade paradigmática. Quer isto dizer que os termos e conceitos operatórios seleccionados devem traduzir zonas significativas de consenso.
Naturalmente que o processo de ensino/aprendizagem da língua materna não se reduz a um trabalho sobre o módulo funcionamento da língua: a aula de Português deve promover o desenvolvimento de competências diversificadas relacionadas com a produção e compreensão da linguagem verbal, nos planos da oralidade e da escrita. Mas penso igualmente que uma reflexão sobre a língua e o seu funcionamento, na perspectiva alargada que defendo (e que inclui, repito-o, saberes de natureza estrutural/gramatical, mas também saberes que convocam o uso da língua, as práticas discursivas e os modelos textuais), pode potenciar o desenvolvimento de competências nucleares de literacia.

Ana Cristina Macário Lopes
Professora Associada da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra

Arrumar, é preciso!

Há largos anos que muitos professores de Português, de todos os níveis de ensino, consideram indispensável a elaboração e aprovação de uma lista com os termos necessários ao estudo explícito do funcionamento da língua portuguesa.
Isto porque, desde o período revolucionário pós-25 de Abril, no ensino da língua materna da maioria dos portugueses se tem recorrido tanto a diferentes palavras para designar conceitos iguais ? nome e substantivo ou artigo, determinante e determinante artigo ou sintagma nominal e grupo nominal, entre muitíssimos outros ? como a palavras iguais para designar conceitos diferentes ? predicado enquanto verbo ou enquanto verbo e complementos ? . Esta grave situação que se arrasta há mais de 30 anos tem feito com que um mesmo aluno, ao longo da sua escolaridade, vá saltando de terminologia em terminologia de acordo com a escola, o manual ou o professor, e que um mesmo professor, numa mesma turma, possa ter alunos que, em situações idênticas, recorrem a termos distintos.
Além disso, a Nomenclatura Gramatical Portuguesa (1967), centrada na morfologia e na sintaxe e publicada num tempo em que os estudos linguísticos em Portugal se encontravam numa fase incipiente do seu desenvolvimento, rapidamente deixou de responder às necessidades dos ensinos básico e secundário. Talvez aí radique o facto de ser um documento desconhecido da generalidade dos professores, dos autores de manuais e dos técnicos do Ministério da Educação.
Pelas razões atrás apontadas, parece-me claro o contributo científico e pedagógico de medidas como a TLEBS para a melhoria da aprendizagem do português. Trata-se de um documento indispensável que deve resultar do trabalho conjunto de professores do ensino superior e dos ensinos básico e secundário, que apenas pode ser generalizado após a sua experimentação em contexto real de sala de aula e cujas medidas de implementação devem ter em conta muitos outros aspectos do funcionamento do sistema educativo: manuais escolares, exames nacionais e provas de aferição, conteúdo dos programas, formação inicial e contínua de professores.
Todos os pareceres da APP estão disponíveis para consulta em www.app.pt.

Paulo Feytor Pinto
Presidente da Associação de Professores de Português

TLEBS: potencialidades e limites

Uma terminologia linguística para uso nas escolas pode cumprir duas funções principais e, a meu ver, importantes no contexto do ensino das línguas.
Por um lado, uma terminologia linguística pode produtivamente funcionar como uma linguagem especializada tendencialmente unívoca para se descrever um conjunto de factos relativos às línguas, ajudando a ultrapassar os efeitos, em determinadas circunstâncias pedagogicamente perturbadores, da existência de múltiplas maneiras de referir as mesmas realidades. Por outro lado, uma terminologia linguística pode ajudar a delimitar, com maior rigor e clareza, os factos ou complexos de factos linguísticos entendidos como relevantes, tornando-os evidentes para aqueles que mais imediatamente se encontram implicados nos processos escolares, desde logo os professores e os alunos.
Em síntese, uma terminologia pode servir, e isso é relevante, para circunscrever factos linguísticos de que se deve falar na escola e modos de falar desses factos.
Dito isto, procurando agora explorar um outro aspecto da pergunta apresentada, coloca-se a questão, sempre delicada, do modo de construção de uma terminologia linguística. Questão delicada porque envolve a natureza da relação entre o conhecimento escolar e o conhecimento científico, tipos de conhecimento que se constituem sobre diferentes princípios.
Uma terminologia linguística para uso escolar é radicalmente um "texto pedagógico", no sentido em que os princípios que subordinam a sua constituição e a sua apropriação derivam, por norma, em primeira instância, do campo pedagógico. A polémica em torno da TLEBS está constantemente a recordar-nos esse facto quando, por exemplo, se colocam no centro do debate perguntas como "é legítimo pretender que se ensinem e aprendam estes termos e os conceitos que eles denotam?", "os termos que se propõem e as realidades a que eles se referem são reconhecíveis pelos professores que os devem ensinar?", "a nomenclatura seleccionada e as realidades para que ela reenviam são apreensíveis pelos alunos?". Em consequência, a incorporação dos avanços no conhecimento produzido no campo científico (caracterizado pela pluralidade de paradigmas e pela instabilidade) é sempre factor de tensão (é, aliás, também essa a história da Nomenclatura Gramatical Portuguesa que agora se pretende substituir).
Dito isto, algo mais deve ser acrescentado. Uma terminologia linguística é apenas um entre muitos outros instrumentos que estruturam o campo do ensino das línguas. Um instrumento útil certamente, mas, deve reconhecer-se, de alcance limitado. Colocar a terminologia como a questão central do ensino do português, não pode senão desviar-nos daquilo que, a meu ver, importa verdadeiramente discutir: face a resultados que hoje maioritariamente são entendidos como insatisfatórios, que caminhos devem ser explorados para assegurar, nos alunos e nas alunas, um desenvolvimento mais consistente dos saberes relativos aos usos produtivos e receptivos da língua, dos conhecimentos sobre a linguagem, sobre as línguas e sobre os seus múltiplos usos, das atitudes dos alunos face à pluralidade das línguas, dos usos linguísticos e daqueles que as falam.

Rui Vieira de Castro
Professor Catedrático da Universidade do Minho


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 165
Ano 16, Março 2007

Autoria:

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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