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Uma mão cheia de nada, outra de coisa nenhuma

A educação artística não pode ser só entendida enquanto algo de específico que ocorre à margem da formação dos cidadãos como se se tratasse de um extra, de algo que se acrescenta à já concluída formação dos indivíduos.
Actualmente, em Portugal, uma análise dos dados estatísticos do Ministério da Educação permite-nos verificar que, no 3º Ciclo, como opção, os alunos têm, na maior parte das escolas, Oficina de Música ou Oficina de Teatro entre outras ofertas, das quais a menos rara é a Dança.
Naturalmente, as escolas onde os alunos frequentam essencialmente Música são as EB 2,3, pois têm um quadro de docência específico adstrito ao 2º Ciclo e podem utilizar esses professores no 3º Ciclo. No caso das escolas Secundárias com 3º Ciclo, estes alunos, de um modo geral, não podem escolher Música e ficam-se quase sempre pelo Teatro.
Se os dados estatísticos nos permitissem, em princípio, dividir o país ao meio -músicos para um lado e actores para o outro ? bem poderíamos ficar descansados a pensar que alguma coisa se faz pela formação artística dos jovens em Portugal. E então agora, com o investimento de especialistas para o 1º ciclo?
Puro engano, porém.
O acesso ao conhecimento artístico, à sua apreciação e à sua execução não pode ser encarado no Ensino Público Básico como numa escola da especialidade, privada ou não, cuja função principal é formar artistas ou pessoas que desejam dedicar-se bastante a essas áreas.
Se o Estado não proporciona aos seus jovens uma formação adequada (com professores bem habilitados para a tarefa que deverão desenvolver) a nível das expressões ? verbal (oral e escrita), musical; dramática, plástica; corporal e outras ? temos, na sociedade por que somos responsáveis, o dever de nos questionarmos sobre as opções que se têm tomado em Portugal.
A justificação mais "oficializável" prende-se com o dinheiro que é necessário para investir. Mas parece claro que se trata ainda de uma falta de conhecimento profundo sobre a contribuição que pode ter para o futuro de um país a exploração das variadas capacidades que o cérebro humano tem e de como a sua estimulação conduz a encruzilhadas que se estendem muito para além desses campos aparentemente fechados e tantas vezes menosprezados.
A aprendizagem das Artes não precisa de ser vista de uma forma isolada, com mais horas para a carga horária dos pobres alunos e como algo que não tem a ver senão com o ócio, o divertimento. É preciso muito mais do que criar disciplinas novas para "animar" a custódia dos meninos após os tempos ditos de "fortes aprendizagens", como está a acontecer no 1º Ciclo.(1)
Somos um país em que os professores têm que aprender a não ter medo de ler um poema na aula de Matemática, de ouvir música em Físico-Química, de resolver uma operação de dividi em Língua Portuguesa, de falar Francês na aula de Inglês, de pintar a manta a actuar em História e de dançar em cima dos mapas de Geografia se preciso for.
Basta olhar por essa Europa fora para países como, entre outros, a Áustria, a França, a Grã-Bretanha (e outros, noutros lugares do Mundo, tão pequeninos e tão pobres, mas onde existe a noção de que é importante recuperar o património existente e integrar o que há de novo) onde há trabalhos de parceria entre os estabelecimentos de ensino e as várias organizações artísticas locais, estimulados e apoiados pelos Ministérios da Educação e da Cultura.
Não podemos continuar a ser um país em que a escola pública impede, por imposições curriculares, o acesso dos seus jovens à Arte e à Cultura, remetendo-os para campos restritos de expressão estereotipados, fixados por culturas alheias à criatividade, impeditivas da força da expansão do homem de amanhã.
Que o mais grave, em Portugal, continua a ser que, os que podem, frequentam academias, conservatórios, ateliers de arte e visitam museus, exposições, concertos. Mas a grande maioria, os outros, continuam a ver interditos os acessos. Porque há ainda uma cultura obscurantista em Portugal que tem medo que os outros conheçam e entrem no outro lado do Mundo que, a dividir só para alguns, é muito mais saboroso. Parece-lhes: porque só vêem um metro à frente do nariz.

1) Veja-se o exemplo da Madeira onde esse trabalho é feito de parceria com o docente da turma.


  
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Edição:

N.º 165
Ano 16, Março 2007

Autoria:

Rafael Tormenta
Professor do Ensino Secundário
Rafael Tormenta
Professor do Ensino Secundário

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