No outro dia, um amigo meu que trabalha na área da informática, mais propriamente numa empresa que tem como produtos software para call centers, comercializados em vários países, dava-me conta da forma como se desenrola o seu serviço pós-venda de apoio aos clientes. Com efeito, desde longe, sentado no seu posto de trabalho na Grande Lisboa, ele pode atender às concretas dificuldades dos seus clientes, desenrolem-se elas nas arábias. Uma chamada de voz estabelecida através da Internet - baseada no método VoIP(1) -, mais as condições do sistema do cliente replicadas no computador do assistente do fornecedor do software e aí vai disto. Trabalham, sei lá, a milhares de quilómetros de distância um do outro como se estivessem um ao lado do outro. Mal comparado, isto é um pouco à maneira do que fazem os meus fornecedores de serviço de televisão por cabo e de acesso por Internet à banda larga. Estes dizem-me através da voz frequentemente feminina do seu call center para quando atender o telefone estar próximo da instalação de televisão ou do modem / router do computador. As pessoas nem precisam de estar frente a frente, de se ver, ao contrário do que julgavam os mercadores do videotelefone ou da videoconferência. E é muito mais eficiente, ou seja, numa "economia de mercado", muito mais barato, muito menos custoso para o empresário. Mas voltando às grandes distâncias, às distâncias que evocam a globalização, recordo-me dos exemplos dados nos alvores deste processo, já lá para os anos 90 do século passado, se referirem, entre outros, a operadores [de call centers] na Índia empregados por sistemas de reservas de passagens aéreas ou de atendimento de companhias de seguros estrangeiros, vindo invariavelmente à baila os casos de empresas suíças. Dos exemplos centrados na Índia, para além das vantagens dos indianos no que toca a língua inglesa - por isso, Sócrates terá, através da sua Ministra da Educação, instituído o inglês na instrução primária, borrifando-se para a minimização do seu ensino em ciclos avançados da escolaridade, mas isto são outros contos -, vinha também a razão da enormíssima vantagem dos baixíssimos custos de trabalho aí praticados associados à elevada preparação da mão de obra indiana para tais efeitos. Era assim que se dizia e estamos a ver os resultados - na Índia tais ocupações medraram como cogumelos desde então. Outro factor então mencionado era a possibilidade de, combinando eficazmente as diferenças entre fusos horários, permitir o estabelecimento por rotação de serviços durante as 24 horas de cada dia. Contudo, tais teóricas visões, podendo constituir aproveitamentos espectaculares e imaginativos, não foram muito faladas posteriormente - o mundo industrial, cioso da rentabilização das suas instalações, já conhecia desde há muito o trabalho por turnos, nomeadamente com a duração de 8 horas, o que dá até três turnos por dia. Ora, quando, por volta de há umas três décadas, eram feitas referências e estudos aos impactos da então revolução científica&técnica (RCT), a tónica era colocada na transição mecanização ? automatização / automação, realçando-se sobretudo o desaparecimento dos postos de trabalho - as máquinas a trabalharem sozinhas ou quase. A RCT era vista, neste caso, muito através do prisma dos computadores e das tecnologias da informação, então nascentes. As telecomunicações e os transportes [de mercadorias] iam evoluindo salto a salto, mas eram percebidas de forma "quase" exógena em relação aos processos de produção. Contudo, os progressos de umas e outras, em particular a digitalização das telecomunicações, então já prontas a convergirem com as tecnologias da informação no que hoje se designa por TIC(2), levaram a uma tónica diferente, a da globalização - a cavalo na nova etapa da RCT -, na qual se encaixa, como não podia deixar de ser, a anterior transição da automatização / automação dos processos.
1) VoIP ? Voice over Internet Protocol. 2) TIC - Tecnologias da Informação e Comunicação.
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