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O desporto por que me bato
Para alguém que estuda e ensina desporto; ou até, para os que têm dele uma prática científica ou uma prática filosófica (que não deixa de ser prática também) ? o trânsito normal das suas crónicas deverá ser este tão-só: da filosofia (ou da política) à ciência, ou da ciência à filosofia (ou política). O livro Gestão do Desporto ? Desenvolvimento Organizacional, da autoria de Gustavo Pires [também colaborador da Página], apresenta, na página 7, uma afirmação que, lida por alguns distraídos, poderá dar azo a alguma polémica: "O desporto, de uma maneira geral, está envolto num processo de desagregação acelerada, que faz com que toda a sua estrutura se, modifique rapidamente, sem que os próprios se levanta, a propósito: qual o lugar do desporto, como conhecimento actualizado, no dia-a-dia dos dirigentes desportivos, dos professores e dos técnicos, que a esta área científica se dedicam, e dos próprios atletas? O desporto é ciência (mas que ciência? Perguntaria eu aos professores). Mas é também, estruturalmente, diálogo e relação e, assim, por que são tão frequentes as desavenças, entre algumas figuras primeiras do nosso dirigismo desportivo? Por que não emerge destas ridículas figuras um empenhamento responsável, que tenha em conta a mensagem cultural e ética do desporto? Eu sei que, mesmo certos cronistas, com responsabilidades universitárias, neste campo, não manifestam uma directriz epistemológica, uma posição mental, ética e cientificamente definidas, quando se ocupam da problemática desportiva? Ou tombam num regionalismo pacóvio, ou num escuro labirinto de ilógicas alegações, donde se descortinam mal encobertos interesses pessoais.
O elemento próprio de qualquer teorização é o problema. Mas, porque nunca o fizeram, se um dia manifestassem vontade de construir um "racionalismo aplicado" engolfar-se-iam por mares pela sua inteligência nunca dantes navegados e seria o caos do caos. Problematizar o desporto é o mesmo que problematizar o direito, ou a medicina, ou a psicologia, ou a história, etc., etc. Não é preciso ser (ou ter sido) atleta de alta competição, para problematizar o desporto, como não é preciso sofrer do estômago, para ser gastrenterologista, nem ter sido ladrão, para ser um bom agente da judiciária. Se são vários os agentes do desporto, as práticas hão-de ser diferenciadas, se bem que visando sempre o progresso do desporto e, através do progresso do desporto, o desenvolvimento da sociedade toda. Quantos não são os treinadores, verdadeiros profissionais do êxito, que nunca "jogaram à bola"? O equívoco fundamental de muita gente é pensar que, para problematizar o desporto, é preciso ter currículo de atleta federado. Discernindo desta forma, será difícil entender como Pasteur, um dos grandes nomes da História da Medicina, nunca foi médico ou enfermeiro. Era investigador tão-só e no campo da química! Problematizar é teorizar; a prática está no princípio da teoria ? só que a prática do treinador, ou a do dirigente, ou a do simples investigador não se confundem com a do atleta, embora devam estar em diálogo permanente com ela. A ideia de complexidade (ideia fulcral, no conhecimento) exige que sejam vários os saberes a ocuparem-se, dialéctica e dialogicamente, do desporto. Incluindo a política...
Este é o desporto por que me bato: quer ser prática e teoria, quer ser acção e forma de consciência social. Quer ser motricidade humana, ou seja, conhecimento-emancipação e não simples "ciência do desporto" onde, muitas vezes, crescem as bestas esplêndidas, onde pontificam certos dirigentes inchados de respostas clownescas, onde há professores e treinadores (não são todos, eu sei) que se gastam e se esgotam, na árdua defesa de uma causa que, sendo espectacular, pode não ser salutar. O desporto, desde a escola, passando pelo lazer desportivo e chegando à alta competição, deverá corporizar uma teoria da emancipação social. O desporto por que me bato, afinal, quer maximizar a prática desportiva, sem subscrever o relativismo moral, epistemológico e político.

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 164
Ano 16, Fevereiro 2007

Autoria:

Manuel Sérgio
Universidade Técnica de Lisboa
Manuel Sérgio
Universidade Técnica de Lisboa

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