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Rever "Une affaire de femme" e Isabelle Huppert

Memórias da minha morte

Em 1972, recém-chegado a Coimbra, sonhava-me em Paris, exilado de uma guerra a que dificilmente escaparia, nas leituras das "crónicas parisienses" que Alcides de Campos assinava na revista Vértice. Aos meus olhos de menino e moço universitário, para quem escrever na Vértice dirigida pelo dr. Joaquim Namorado era quase um prémio literário, o cronista tinha a dimensão de um ídolo.
Conheci-o anos mais tarde, quando eu já era jornalista e trabalhava no Jornal de Notícias. Encontrei-o no nº 3 da Rua de Noisiel, a Embaixada de Portugal em Paris, onde ele colaborava. Confessei-me leitor indefectível das "crónicas parisienses" e ele convidou-me para almoçar. Lembro-me que fomos a um restaurante chinês - foi o primeiro restaurante chinês onde entrei.
Da Embaixada de Portugal em Paris guardo a memória desse encontro com Alcides de Campos, a visão de um acanhadíssimo elevador de serviço, onde julgo que só cabe uma pessoa, e uma recepção oferecida pelo embaixador Gaspar da Silva, em honra do presidente Mário Soares, durante a qual Marie-Paule de Pina, então correspondente do JN, me apresentou alguns socialistas franceses cujo nome, durante alguns anos, fui lendo nos jornais.
Isto aconteceu em 1988, numa das raras vezes que estive em Paris, hospedado no mesmo hotel da Rua de Saint Honoré, o Hotel de France et Choiseul, onde, há mais de cem anos, Eleanor e Franklin D. Roosevelt passaram a lua-de-mel. Foi lá que me comovi, até às lágrimas, a ver, em directo, pela televisão, a Rosa Mota ganhar a medalha de ouro da Maratona feminina dos Jogos Olímpicos de Seoul. ? "C'est la portugaise", gritava, rendido, o jornalista francês.
Estava a acompanhar Mário Soares numa "rentrée" que contemplou a inauguração, no Grand Palais, de uma exposição da pintora Helena Vieira da Silva, ao lado do presidente francês François Mitterrand, dos ministros franceses Jack Lang e Roland Dumas, do casal Azeredo e Madalena Perdigão (da Gulbenkian), dos embaixadores Gaspar da Silva e José Augusto Seabra e, julgo eu, de Eduardo Prado Coelho. Exposição guiada pela própria pintora ? privilégio a que, então, dei pouca importância.
Eu ainda não tinha 35 anos e a minha atenção fixava-se mais depressa em Isabelle Huppert, a brilhar no jantar que Jack Lang ofereceu a Mário Soares, acabada de chegar de Veneza com o prémio de interpretação feminina pelo papel de Marie Bouchon (francesa guilhotinada em 1943 por participar em abortos clandestinos) no filme "Une affaire de femme", de Claude Chabrol, que está na hora de rever.


  
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Edição:

N.º 164
Ano 16, Fevereiro 2007

Autoria:

Júlio Roldão
Jornalista do Jornal de Notícias
Júlio Roldão
Jornalista do Jornal de Notícias

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