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"Foi você que pediu..." uma escola moderna?
Recentemente, fui entrevistado para dar uma contribuição para o Debate Nacional sobre Educação promovido pelo Conselho Nacional de Educação. Todas as questões que me colocaram eram interessantes, mas a uma delas tive mais dificuldade em responder. Era a seguinte: "Como gostaria que fosse a escola portuguesa num horizonte de dez anos?". Num ápice, cruzei o que podia responder, com uma comunicação que semanas antes tinha assistido na Fundação Calouste Gulbenkian proferida pelo Prof. Edward Lorenz na Conferência sobre "Educação, Inovação e Desenvolvimento". Na sua conferência este professor de Economia afirmava que uma das dificuldades da Educação em Portugal consistia no facto dos valores presentes no nosso aparelho produtivo serem ainda muito tradicionais. Usou mesmo o termo "tayloristas" para significar que em Portugal ainda damos uma importância anacrónica à hierarquia, à parcelização do trabalho e ao formalismo que permite que cada trabalhador se sinta desresponsabilizado de intervir fora da esfera estrita e limitada da sua competência. Com estruturas assim, a Educação em Portugal não pode ir muito longe, dizia o professor, porque um aparelho de produção "taylorista" clama por uma escola tradicional e desta forma se cria um ciclo vicioso de conservadorismo em que a Educação é sub estimulada para a inovação, para a mudança e para encontrar novas formas e conteúdos de aprendizagem.
"Como gostaria que fosse a escola daqui a dez anos?". Bom, já vimos que a escola não funciona impermeabilizada do funcionamento da comunidade e da sociedade que está à sua volta. Portanto, uma primeira aproximação à resposta é que espero que a sociedade se desenvolva de tal maneira que também influencie a mudança da escola. A escola não é o navio almirante da mudança é só um dos barcos que integra esta grande armada dos factores de inovação. E se assim é porque será que tantas pessoas culpam a escola de ser só ela ineficaz? Parece que, afinal, a escola não pode ser eficaz se o resto da sociedade não o for também. Talvez, muitos empresários, gestores, políticos, etc. quando culpam e querem dar lições à Educação se devessem prevenir destes "telhados de vidro". Talvez a empresas que dirigem sejam deficitárias e medíocres, talvez os debates e as leis que fazem sejam ineficazes, talvez os modelos de gestão que adoptam sejam anacrónicos, talvez estas pessoas se devam convencer que não é só à escola que se devem pedir contas: todos temos contas a prestar. Frequentemente as pessoas que pedem contas à escola não são capazes de prestar boas contas do que andam a fazer em termos das suas profissões. Precisamos que todos façam o seu trabalho eficiente e competentemente para que a escola também possa assumir com coerência o seu papel de inovação.
Um outro aspecto sobre a escola que quero daqui a dez anos diz respeito às formas de trabalho que se podem desenvolver. Hoje, as empresas bem sucedidas, que conseguem ser inovadoras e sustentar uma política de inovação, usam formas de trabalho muito diferentes do que as que se usavam há algumas décadas atrás. O conceito de equipa de trabalho, de hierarquia pela competência, de trabalho em equipa, de grupos de projecto, etc. são hoje as formas que as empresas de primeira linha encontraram para serem competitivas e inovadoras. E a escola? Será que o trabalho de equipa, a cooperação, o trabalho por projectos, a diversidade de perspectivas, etc. são boas para as empresas e más para as escolas? É que por vezes parece que recomendamos inovação para as empresas mas destinamos para as escolas os métodos mais retrógrados. Em casos limite seriam até esses métodos mais retrógrados (a obsessão com a disciplina, com os conteúdos, com a uniformização, os exames nacionais, com a memorização, etc.) que salvariam a escola e tornariam os alunos capazes de inovação (realço a palavra "obsessão"). Seria como querer ensinar alguém a nadar sem nunca ter contacto com a água: o que se aprende não teria nada a ver com o que se vai fazer em termos profissionais.
"Como quero a escola daqui a 10 anos"? Quero certamente uma escola que se desenvolva sem os fantasmas de um passado que, na verdade, não interessa a ninguém. Este passado não é educacionalmente sustentável (seria impossível usar estratégias semelhantes às da escola "para alguns" numa perspectiva de "escola para todos") nem socialmente viável em termos de contribuição para a dinamização e inovação da sociedade. Como vimos para melhorar o aparelho produtivo não precisamos de uma escola esclerosada e rígida: pelo contrário precisamos de estruturas em que cada aluno aprenda a dar um contributo, que aprenda com os outros, se habitue a negociar com pessoas com opiniões diferentes, que tenha autonomia para criar as suas próprias ferramentas para aprender e se modificar ao longo da vida, que seja ético, solidário e cidadão. Ao fim e ao cabo, que tenha uma Educação em que esteja incluído com toda uma comunidade e que se torne interdependente dela. Como tenho repetidamente afirmado, a educação de qualidade é a Educação Inclusiva porque é a que permite que "a escola de daqui a 10 anos" acompanhe e dinamize as empresas e as sociedades mais dinâmicas, igualitárias e solidárias. Cá estamos daqui a dez anos para ver o que fizemos para a promoção desta escola e desta sociedade...

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 163
Ano 16, Janeiro 2007

Autoria:

David Rodrigues
Universidade Técnica de Lisboa e Coordenador do Fórum de Estudos de Educação Inclusiva
David Rodrigues
Universidade Técnica de Lisboa e Coordenador do Fórum de Estudos de Educação Inclusiva

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