ESTUDO DA FACULDADE DE CIÊNCIAS DA UNIVERSIDADE DE LISBOA CONCLUIU: Programas de Matemática portugueses podem ter soluções mais adequadas
O estudo do qual a PÁGINA apresenta a seguir alguns excertos intitula-se "Programas de Matemática no 3º ciclo do ensino básico ? um estudo confrontando Espanha, França, Irlanda, Suécia e Portugal" e resulta de um trabalho colectivo dos membros do Grupo de Investigação DIF - Didáctica e Formação, do Centro de Investigação em Educação da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Esta investigação, coordenada por João Pedro da Ponte e com co-autoria de Ana Maria Boavida, Ana Paula Canavarro, Fátima Guimarães, Hélia Oliveira, Henrique Manuel Guimarães, Joana Brocardo, Leonor Santos, Lurdes Serrazina e Manuel Saraiva, procura, segundo os autores, "identificar linhas de força e características mais salientes e ajudar a estabelecer pontos de convergência e divergência com o programa português em vigor". Ficam aqui, portanto, algumas das reflexões e sugestões incluídas no capítulo final do estudo.
Existência ou não de programas distintos para alunos com características diversas?
"A análise e comparação dos programas de Matemática de Espanha, França, Irlanda e Suécia e o seu confronto com os portugueses sugere-nos diversas reflexões e sugestões (...). Uma primeira questão tem a ver com a natureza dos documentos programáticos. Em três dos países ? Espanha, França e Irlanda ? os documentos analisados revelam forte semelhança com o programa português de 1991. Em contrapartida, no caso da Suécia, o documento que analisámos revela maior afinidade com a parte relativa à Matemática do Currículo Nacional Português de 2001. (...) De todos os documentos analisados, os que a nosso ver representam uma construção mais simples, rigorosa, clara e consistente são os irlandeses ? o programa Mathematical Syllabus, completado pelo guia Guidelines For Teachers." "A elaboração de um programa requer que se tomem decisões sobre diversas questões fundamentais de natureza geral. Uma delas é a existência ou não de programas distintos para alunos com características diversas. Isso acontece em Espanha, onde existem diferentes itinerários para os dois últimos anos da escolaridade obrigatória que pretendem ir ao encontro dos interesses dos alunos. Acontece igualmente na Irlanda, como forma de dar resposta às necessidades e interesses dos alunos que evidenciam diferentes níveis de desempenho." "(...) Uma solução alternativa para a questão da diferenciação segundo os interesses e necessidades dos alunos neste nível poderia passar por manter um programa nacional único, embora publicando documentos complementares dirigidos aos alunos com maior e menor interesse pela Matemática, com indicações concretas relativamente aos aspectos diferenciadores do trabalho a realizar com estes alunos em relação à norma nacional." Uma questão também de natureza geral é a da distribuição dos temas matemáticos por ano ou por ciclo. A distribuição é por ciclo no caso da Irlanda e é por ano nos casos de Espanha, França e Portugal. Qualquer das opções tem vantagens e inconvenientes. A distribuição por ciclo tem a vantagem de permitir uma gestão mais flexível do programa mas exige uma forte regulação a nível de escola de modo a garantir uma progressão continuada das aprendizagens."
O Currículo Nacional evidencia deficiências no campo dos objectivos
"(...) a questão da definição das finalidades e objectivos é, a nosso ver, um dos pontos mais problemáticos dos documentos programáticos portugueses. O programa de Matemática de 1991 contém uma formulação pouco cuidada destes aspectos e tem pouca preocupação em explicitar a sua importância e o seu papel em relação com os diferentes tópicos e orientações metodológicas. O Currículo Nacional de 2001 tem uma formulação actualizada e cuidada das finalidades que, no entanto, poderia ser ainda melhorada, introduzindo elementos como os que constam nas finalidades do programa da Suécia. Além disso, o Currículo Nacional evidencia igualmente deficiências no campo dos objectivos, em grande medida por não apresentar uma discussão clara acerca da relação entre os 'objectivos de aprendizagem' e a 'competência matemática'." "(...) Podemo-nos questionar se, em Portugal, um dos grandes problemas não será justamente a falta de expectativas claras para o professor de Matemática, relativamente à aprendizagem dos alunos, nomeadamente no 3º ciclo do ensino básico. A formulação clara das finalidades e objectivos é um meio fundamental de esclarecer quais são essas expectativas para a generalidade dos alunos e os documentos da Suécia e da Irlanda mostram, de maneiras diferentes, como isso pode ser concretizado." No que respeita aos temas matemáticos, verificamos que não existem diferenças muito assinaláveis de país para país. (...) com maior ênfase num ou noutro tópico, os programas estão bastante próximos (...)."
Ênfase na resolução de problemas
"No que diz respeito às orientações metodológicas, considerámos que devem ser claras e consistentes, e não subscrevemos, por isso, a opção de omitir indicações explícitas em relação a este aspecto assumida pelos programas espanhol e sueco. O documento 'Guidelines For Teachers' da Irlanda, constitui um bom exemplo de formulação de orientações metodológicas e mostra também uma preocupação com a transformação das práticas pedagógicas numa direcção inovadora, mas numa perspectiva realista. "Dentro das orientações metodológicas há diversos aspectos que sobressaem. Um deles é a ênfase na resolução de problemas que, de um modo ou de outro, informa os programas de todos os países analisados (e também os de Portugal). Parece haver, portanto, unanimidade relativamente a este ponto." "(...) Outro aspecto importante é o papel das aplicações da Matemática que surge muito valorizado nos documentos curriculares suecos e nos respectivos instrumentos de avaliação. Embora esta abordagem pareça muito interessante, não nos parece realista pensar que ela possa assumir grande destaque em Portugal numa próxima revisão curricular, uma vez que representa uma perspectiva totalmente distinta para o ensino da Matemática, cuja consecução, para além da mudança do programa, exigiria um esforço nacional profundo e continuado de formação de professores e de elaboração de materiais de ensino. Outro aspecto ainda a referir é o uso de tecnologias ? como a calculadora e o computador ? que tem expressão significativa nos programas de todos os países analisados e relativamente às quais o problema não parece ser 'usar ou não usar', mas sim 'como usar' este tipo de recursos. Ainda no que respeita às orientações metodológicas, é de destacar a abordagem feita pelos programas franceses relativamente ao processo de ensino-aprendizagem, mostrando a importância da ênfase numa abordagem investigativa e exploratória e a necessidade de a aprendizagem ter como ponto de partida situações problemáticas relevantes e acessíveis para os alunos."
Há aspectos da avaliação que transcendem a disciplina da Matemática
"(...) Finalmente, uma palavra sobre a avaliação. Há aspectos da avaliação que transcendem a disciplina de Matemática e que envolvem todo o currículo deste ciclo, que é normal que sejam tratadas noutros documentos de natureza mais abrangente (como os Despachos Normativos portugueses), e não no programa de Matemática. Esses documentos devem debruçar-se, em particular, sobre as funções e a regulação geral das provas de avaliação externa, quando existem neste nível (como na França, Irlanda e Suécia), para além de darem todas as indicações necessárias relativamente à avaliação a realizar a nível da escola. No entanto, sendo reconhecido o papel fundamental da avaliação formativa e sendo também reconhecido o papel do professor na avaliação sumativa, nomeadamente atribuindo classificações no final do ano escolar, é fundamental que os documentos programáticos contemplem estas questões com orientações gerais precisas e, eventualmente, exemplos de estratégias a seguir e instrumentos de avaliação a usar. Nenhum dos documentos analisados se afigura muito exemplar neste domínio. Para finalizar, considerámos que a análise dos documentos de diversos países mostra que existem soluções bastante mais adequadas do que as presentemente adoptadas em Portugal para a formulação de programas para o ensino da Matemática, ao nível das finalidades e objectivos, das indicações metodológicas, na organização dos temas matemáticos e até relativamente à organização e coerência dos próprios documentos. Esperamos, por isso, que num novo ciclo de revisão curricular, estas soluções possam ser consideradas de modo a podermos contar no nosso país com instrumentos curriculares mais aperfeiçoados para orientar o ensino da Matemática."
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