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Gritar que está tudo mal só contribui para reduzir mais a nossa já debilitada auto-estima

Matemática em Portugal 

A Matemática parece ser um dos quebra-cabeças do sistema educativo português. Muitos alunos não se interessam pela disciplina e os professores sentem dificuldade em motivá-los. Os resultados escolares, quer nacionais quer internacionais, acabam por reflectir esse desencontro. No início deste ano lectivo, o Ministério da Educação pôs em prática o Plano de Acção para a Promoção do Sucesso na Matemática nas escolas portuguesas. Um conjunto de medidas bem intencionadas que, na opinião dos especialistas, pode não passar disso mesmo. Neste "DESTAQUE" damos a conhecer as principais propostas deste plano e a opinião de quem está no terreno. Espaço ainda para divulgar as conclusões de um recente estudo comparativo entre o programa português do 3º ciclo e o de quatro outros países europeus.

O ensino e a aprendizagem da Matemática têm estado no centro do debate educativo nos últimos anos. Na sua origem estão sobretudo os fracos resultados obtidos pelos alunos portugueses, quer a nível nacional quer internacional (nomeadamente no contexto do PISA - Programme for International Student Assessement). Apesar de já muito se ter falado sobre os números, valerá a pena recordar que em 2003 ? data do último relatório produzido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) ? Portugal ficou classificado em 25º lugar no ranking de literacia matemática, num conjunto de 41 países.
Para a elaboração desta tabela, a avaliação dos estudantes é dividida em seis níveis de competência, sendo o mais alto atribuído aos que revelam "pensamentos e raciocínios matemáticos avançados" e o fundo da tabela aos que apenas conseguem resolver os problemas mais fáceis.
Cerca de um quarto dos alunos portugueses ficou classificado no nível mais baixo ou não atingiu os valores mínimos. A maioria (50%) cifrou-se na média, entre os níveis 2 e 3, e menos de 1 por cento conseguiu resolver problemas do nível seis, que está apenas ao alcance de 4 por cento do universo total de alunos.
A nível global, a competência média dos alunos portugueses não ultrapassou o grau dois, classificação que o relatório considera "significativamente abaixo da média" relativamente aos restantes países avaliados. Entre os outros dez países europeus que apresentam resultados semelhantes figuram a Grécia e a Itália.
Curiosamente, e apesar dos resultados algo desanimadores deste estudo, 86 por cento dos alunos portugueses considera que a escola lhes deu mais confiança e os ajudou a tomar decisões (a média da OCDE é de 72 por cento). Da mesma forma, o fraco desempenho a Matemática não parece afectar a sua relação com a disciplina mais do que o normal para um jovem de 15 anos: 35 por cento afirma gostar de Matemática, igualando a média destes países. Ao mesmo tempo, 82 por cento admite que o esforço nesta disciplina é útil para o seu futuro, mas apenas 32 por cento se diz capaz de apreender as matérias mais complexas ? para uma média de 33 por cento da OCDE.
Comentando os resultados do PISA, João Pedro da Ponte, professor do Departamento de Educação da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), admite que os resultados dos alunos portugueses são "insatisfatórios" e que se "deve trabalhar para que eles melhorem". No entanto, o quadro negro habitualmente traçado, segundo o qual os alunos portugueses "não sabem nada" ou que vivemos uma "situação de catástrofe total", é, na sua opinião, "evidentemente deslocado".
"Os nossos alunos têm resultados próximos da média dos países da OCDE em questões de exigência cognitiva reduzida e média, e resultados abaixo dessa média nas questões com níveis de exigência cognitiva mais elevada. Há que dar mais atenção a estes aspectos. Continuar a gritar que está tudo mal, como se tem feito, só contribui para reduzir mais a nossa já debilitada auto-estima, levando os jovens a afastarem-se ainda mais da Matemática", diz Pedro da Ponte.

Plano de acção para promover o sucesso da Matemática

Os sucessivos diagnósticos efectuados ao longo dos últimos anos têm sido consensuais sobre a necessidade de se implementarem medidas que melhorem as práticas e os resultados nesta área disciplinar. Foi com essa intenção que, em 1997, o Ministério da Educação criou um grupo de trabalho, coordenado por este investigador, para efectuar a avaliação do ensino da Matemática nas escolas portuguesas e apresentar propostas que pudessem contribuir para melhorar resultados.
A maioria das sugestões apresentadas no relatório não chegou a ser materializada. A excepção referiu-se ao ensino secundário, onde se pôs em curso um plano de apoio aos docentes através da formação de "professores acompanhantes", que actuaram como especialistas curriculares e tiveram um papel significativo na implementação do novo programa de matemática, actualmente em vigor.
Foi preciso esperar pelo presente ano lectivo para que o ministério pusesse em prática algumas das medidas sugeridas no documento de 1997 (nomeadamente a formação e apoio aos professores dos 1.º e 2.º ciclos do ensino básico), traduzidas no chamado "Plano de Acção para a Promoção do Sucesso na Matemática". Apresentado oficialmente em meados de 2006, este plano está organizado em torno de seis acções, das quais valerá fazer referência às primeiras quatro pelo seu carácter estruturante.
A primeira assenta na elaboração de projectos de escola, concebidos em articulação entre a tutela, os conselhos pedagógicos e os respectivos grupos de Matemática. Partindo da análise aos resultados dos alunos e de cada turma, estes projectos têm por finalidade propor um conjunto de medidas que, na opinião das escolas, poderão permitir, no final de cada ciclo, melhorar os resultados dos seus alunos.
Para concretizar este objectivo, o ME garantiu na apresentação do plano que iria assegurar a "continuidade pedagógica das equipas de docentes nas escolas", permitindo o acompanhamento dos alunos ao longo de cada ciclo de ensino, e dotar os estabelecimentos de ensino com equipamento próprio, tais como laboratórios de matemática e meios informáticos. A implementação e monitorização destes projectos são da responsabilidade do ME.
A segunda medida passa pela realização de acções de formação contínua em Matemática para professores de todos os ciclos do ensino básico e secundário, em articulação com instituições de ensino superior, alargando, aliás, o programa de formação contínua em Matemática para professores de 1º ciclo iniciado no ano lectivo de 2005-06.
Outra das grandes linhas de acção proposta pelo ME reside no estabelecimento de novas condições de formação inicial dos professores e de acesso à docência, no sentido de "garantir um reforço dos saberes da especialidade da docência nos planos de estudo" e "suprir insuficiências que se encontram diagnosticadas no domínio da Matemática". Aos candidatos passará a ser exigido um número mínimo de créditos ECTS (créditos associados às novas formações no âmbito do processo de Bolonha) e a realização de um exame de acesso à docência. Esta medida terá início apenas no próximo ano lectivo.
Finalmente, o ME pretende proceder ao reajustamento dos programas actualmente em vigor para os três ciclos do ensino básico, adoptando o Currículo Nacional do Ensino Básico como referência, procurando assim "garantir uma efectiva articulação vertical das aprendizagens". Esta medida será posta em prática a partir de Março deste ano. No 1.º ciclo, foram entretanto definidos tempos mínimos para a leccionação das diferentes áreas curriculares, nomeadamente da área da Matemática, compatíveis com o cumprimento dos currículos.

Uma oportunidade perdida?

Da intenção à prática, no entanto, vai alguma distância. De facto, apesar de considerarem globalmente positivo o conjunto de propostas enunciadas pela ministra Maria de Lurdes Rodrigues, os especialistas ouvidos pela PÁGINA consideram que a sua implementação tem sofrido falhas processuais e que os resultados podem ficar muito aquém do esperado.
A presidente da Associação de Professores de Matemática (APM), Rita Bastos, refere como exemplo os "prazos apertados" com que as escolas foram confrontadas para a elaboração dos projectos de escola. "O ministério propôs às escolas que elaborassem os seus projectos em Junho, obrigando os professores a um esforço enorme, garantindo que em troca daria acompanhamento e formação". No entanto, garante, "até agora pouco fez".
As verbas destinadas à compra de material pedagógico, que deveriam ter estado disponíveis no início do ano lectivo, só chegaram em Dezembro, o mesmo acontecendo com a publicação da lista de professores-acompanhantes, comprometendo o arranque dos projectos de escola nas datas previstas.
A referência positiva, na opinião de Rita Bastos, vai para o facto de, em algumas escolas, o plano ter incentivado o empenho e o trabalho conjunto dos professores. No entanto, sublinha, "tudo depende das dinâmicas que se estabelecem no interior das escolas", recordando ainda que "este tipo de projectos não podem ser mensuráveis no curto prazo".
Manuel Henrique Guimarães, professor do Departamento de Educação da FCUL e co-autor do estudo "Programas de Matemática no 3º ciclo do ensino básico ? um estudo confrontando Espanha, França, Irlanda, Suécia e Portugal" (ler texto abaixo) considera que a estratégia de implementação desta iniciativa tem sido "extremamente incorrecta", podendo levar, na sua opinião, "a que mais uma vez tudo passe pela aparência e não pelo conteúdo". Isto, explica, porque o processo foi conduzido "precipitadamente, sem reflexão, sem tempo e sem formação", acrescentando que acredita pouco na possibilidade de sucesso desta acção do ministério.
"Eu percebo que a senhora ministra tenha de apresentar resultados e que se esforce nesse sentido. Mas a lógica educativa não pode estar subordinada à lógica política, porque o tempo e as exigências são outras". Desta forma, conclui Henrique Guimarães, "podemos mais uma vez estar perante uma oportunidade perdida".
Apesar de considerar este plano de acção como "uma ideia excelente", na medida em que desafia os professores a fazer um diagnóstico aprofundado dos problemas da aprendizagem dos alunos e a definir projectos de intervenção para resolver esses problemas, Henrique Guimarães crítica a forma como o processo tem sido conduzido, que, na sua opinião, "deixa muito a desejar".
Isto, refere o investigador, porque as escolas "não foram devidamente apoiadas na elaboração dos seus planos, não receberam informação clara sobre os recursos que poderiam solicitar e, na maior parte dos casos, um feedback apropriado sobre as propostas que fizeram".
Partindo do seu conhecimento do terreno, João Pedro da Ponte considera que "os resultados vão ficar muito aquém do esperado". E, em certos casos, "fica mesmo a impressão que nada mudou no trabalho das escolas a não ser terem sido feitos mais uns tantos documentos e de se ter gasto tempo em mais reuniões".
Por isso, deixa a advertência: "Quando se avança com programas deste tipo é preciso dar uma atenção muito grande ao modo como elas são concretizadas na prática. Caso contrário, os resultados podem ser contraproducentes".


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 163
Ano 16, Janeiro 2007

Autoria:

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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