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Os Matriarcas

Como animal social que é, o Homem assume vivências hierarquizadas nas suas interacções grupais entre indivíduos de funções e estatutos, necessariamente, diferenciados.
Em muitas sociedades animais, os indivíduos de prestígio superior detêm, igualmente, claros privilégios na relação com os seus parentes de menor estatuto. Ocupam o melhor lugar no território do grupo: o mais central, o mais elevado! Comem e bebem primeiro, melhor e, principalmente ?mais!
O acesso aos mesmos por parte dos restantes indivíduos, principalmente se de estatuto inferior, é filtrado, feito sob anuência prévia e requer atitudes explícitas de subserviência, quantas vezes de humilhação. Em bandos reprodutores, são quase sempre "machos dominantes" defendendo o seu harém e, através dele, o potencial de transmissão do seu património genético.
Em grupos mais alargados são usualmente fêmeas: "axis mundus" em redor das quais se dispõe o bando, se estabelece a teia de relações e se movimentam adesões e rejeições. São matriarcas, distantes e impassíveis. Inacessíveis ao comum dos indivíduos!
Como nos fazem lembrar personagens autárquicas que conhecemos por esse país fora!! Personagens em que, passados os enfáticos tempos eleitorais, os populismos militantes (feitos de beijinhos a criancinhas amorosas e a velhinhas adoráveis) se esvaem como por milagre.
Apressam, então, em rodear-se de um círculo de burocracias e dificuldades, obstáculos e empecilhos, que tornam o acesso às mesmas bem mais difícil que ao Papa! Reduz-se este ao círculo privado de amigos e conhecidos. E aos amigos dos conhecidos! E aos conhecidos dos amigos!
Colocam-se assim, num pedestal difícil de alcançar e que obriga, ainda, os suplicantes a olhá-los, humildemente, de baixo para cima.
O acesso torna-se, ele próprio, condição e consagração de estatuto. E se com Deus e os santos podemos, pelo menos, falar directa e imediatamente, aqui só com audiência marcada! Marcada a perder de vista, adiante-se! Destinada a fazer perder a vontade e a paciência!
E mesmo que esta não fraqueje, que a necessidade mais ou menos imperiosa a isso obrigue, pode sempre surgir uma urgência de última hora, lamentável concerteza, mas inultrapassável!
O senhor vereador não está disponível! Está em reunião. Não, não sei quando acaba! Sim, acho que vai demorar! E depois tem de ir a uma recepção. Aliás, já está atrasado! Sim, é pena! Tente mais tarde. Pró fim da semana? Hum,? era mais seguro para o fim do mês. Concerteza, eu digo-lhe!
Livram-se, deste modo, de inconvenientes pedidos, incómodas reclamações, impertinentes reivindicações. Dos chatos dos munícipes. Dos inoportunos dos presidentes das Juntas. Dos enfadonhos dos funcionários municipais. Dos maçadores dos agentes culturais. Dos rústicos dos dirigentes associativos.
Transformando o particular interesse da política, na política do interesse particular!
Esquecendo que o Homem é um animal social. E que os estatutos formais ou informais dependem, em última instância, dos sempre volúveis níveis de sociabilidade: leia-se,? de popularidade!
É claro que estas atitudes, impróprias de quem, concerteza, está na política por "espírito de missão", seriam perfeitamente desnecessárias se não existissem os "chatos" dos tais munícipes!
Sim! Porque raio é que os municípios hão-de estar sempre "infestados" de munícipes?
Que praga!! O Vaticano, por exemplo, não tem população, e não consta que se esteja a dar mal!


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 162
Ano 15, Dezembro 2006

Autoria:

Aurélio Lopes
Professor convidado da Escola Superior de Educação de Santarém
Aurélio Lopes
Professor convidado da Escola Superior de Educação de Santarém

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