Página  >  Edições  >  N.º 162  >  Não há razão para os portugueses terem um tal sentimento de inferioridade

Não há razão para os portugueses terem um tal sentimento de inferioridade

Dries Rombouts e Klara Tesseur, jovens belgas, a estagiar em duas escolas portuguesas, dão a sua opinião sobre Portugal, a escola e o sistema educativo português

Saber o que pensam cidadãos estrangeiros sobre o nosso país é sempre um exercício com algum interesse. Mais ainda quando podemos obter deles uma opinião sustentada sobre o sistema educativo português, permitindo, dessa forma, ter uma imagem relativamente distanciada sobre a nossa realidade educativa.
Foi precisamente com essa intenção que a PÁGINA entrevistou Dries Rombouts, de 22 anos, e Klara Tesseur, de 24, dois jovens belgas recém formados em tradução Espanhol/Inglês pela Escola Superior Lessius, em Antuérpia, que se encontram em Portugal ao abrigo do programa Comenius. Esta iniciativa da União Europeia é destinada a tradutores e professores recém licenciados e tem como objectivo proporcionar a aquisição de experiência de trabalho fora do país de origem.
Colocados como assistentes de línguas em duas escolas da região do Porto ? Dries Rombouts presta serviço na Escola Secundária de Ensino Artístico Especializado Soares dos Reis e Klara Tesseur na Escola Secundária de Oliveira do Douro, em Gaia -, procuramos saber a opinião deles sobre Portugal e o seu sistema de ensino, procurando estabelecer um paralelo com o contexto belga. Apesar de terem, em geral, uma boa imagem dos professores portugueses, consideram que o sistema educativo é pouco exigente com os alunos comparativamente com o seu país.

Antes de mais, porquê o vosso interesse pela aprendizagem da língua portuguesa?

Dries: No meu caso não se tratou de uma opção profissional (tendo em conta que sou tradutor), mas tão só porque gosto de aprender línguas. Antes de aprender português tive também aulas de espanhol. E, tal como a Klara, não ponho de parte a hipótese de tirar partido da minha aprendizagem do português no futuro próximo. É sempre uma vantagem saber falar duas línguas latinas. E o português é uma língua muito divulgada no mundo.

Klara: No meu caso tratou-se de uma opção na universidade, onde podemos escolher um terceiro idioma que não conta para a nota final do curso. Como já sabia falar espanhol, que tem uma estrutura linguística muito semelhante, achei que era uma boa oportunidade para ficar a conhecer uma segunda língua latina.

A cultura e a sociedade portuguesa correspondem à imagem que faziam do país?

Dries: Nós aprendemos sobretudo alguns aspectos da história e dos costumes do país. Ficamos a saber, por exemplo, que os portugueses valorizam muito a sua história, principalmente a que está associada aos descobrimentos, bem como alguns mitos, como o do Sebastianismo. E que existe também uma forte tradição de cultura popular, simbolizada, entre outros aspectos, pelo fado.

E em termos sociais?

Dries: Julgo que não é muito diferente daquilo que esperávamos. No entanto, um aspecto que me surpreendeu é o facto de os portugueses serem tão pessimistas, principalmente em relação à economia. A palavra crise está sempre na boca das pessoas.
Curiosamente, estou a viver com um companheiro açoriano e uma das primeiras coisas que ele me disse foi que "Portugal é o cu da Europa" (risos). A situação actual de Portugal pode não ser tão boa relativamente a outros países europeus, mas, embora uma dose de autocrítica seja sempre necessária, não há razão para os portugueses terem um tal sentimento de inferioridade. Talvez esse sentimento esteja associado à soturnidade e à melancolia que caracterizam o povo português, não sei?

Klara: Pela minha parte esperava encontrar um povo mais temperamental, que habitualmente caracteriza os povos do sul. Os espanhóis, por exemplo, são muito diferentes dos portugueses. Aqui as pessoas são mais tímidas, mais sossegadas, reflectem sempre antes de falar.

Dries: Eu admiro essa faceta da cultura portuguesa, que mostra mais respeito pelas culturas estrangeiras. Os espanhóis não têm tanto respeito pelas outras culturas

Os espanhóis têm habitualmente um sentimento nacionalista mais vincado?

Dries: Sim, mas têm um mau ouvido. Praticamente só falam castelhano. Eu considero que o conhecimento de outras línguas em Portugal é muito maior do que em Espanha. E isso é importante para se estar mais aberto a outras realidades e culturas. Por outro lado, os portugueses são também muito amáveis e estão sempre dispostos a ajudar.

Klara: Sim, é um povo muito acolhedor.

Alunos portugueses "não assumem a educação como algo fundamental mas apenas como mera opção"

Daquilo que já vos foi dado a observar da escola portuguesa, que aspectos destacam, para já, como positivos e negativos?

Klara: Eu julgo que um dos aspectos positivos é a boa qualidade das infra-estruturas. Muitas escolas secundárias estão equipadas com uma biblioteca, o que não é tão habitual na Bélgica. Ao mesmo tempo, existem também aulas de apoio para os alunos mais fracos, o que considero óptimo. No meu país, por exemplo, esse apoio está limitado à escola básica, que corresponde aos seis primeiros anos de escolaridade.
Por outro lado, e partindo da observação das aulas de línguas estrangeiras em que participei, há alguns aspectos, na minha opinião, que não estão bem. Um desses exemplos é o facto de haver alunos com níveis de conhecimento muito diferentes na mesma sala de aula, o que impede os mais capazes de evoluírem mais rapidamente.
Ao mesmo tempo, e apesar de haver muitos bons professores na escola, reparei que os de língua inglesa têm algumas dificuldades ou ensinam mesmo coisas incorrectas. Praticamente em cada aula eu assisto a situações dessas, o que é de alguma forma inaceitável.

Dries: Tendo em conta que estou a trabalhar numa escola de ensino artístico, a filosofia de ensino é, em geral, um pouco diferente, existindo maior liberdade para os alunos. E isso confere alguma vantagem àqueles que estão realmente interessados na sua área, porque têm um contacto mais próximo com os professores e podem, dessa maneira, ter um percurso mais rico e variado.
Além disso, os professores interessam-se pelos alunos e prolongam o seu papel para além da sala de aula, o que é muito interessante. Na Bélgica há um distanciamento maior entre alunos e professores.

A escola portuguesa é muitas vezes acusada de ser pouco exigente e mesmo permissiva. Partindo da vossa experiência, qual é a vossa opinião?

Klara: O sistema educativo belga assenta em princípios um pouco diferentes relativamente ao português. Os alunos são avaliados desde a escola primária por exames trimestrais, e não apenas no final de cada ciclo como acontece em Portugal. Só no último ano do ensino secundário essa frequência baixa para dois exames semestrais. Dessa forma, os alunos são obrigados a estudar com mais assiduidade.
Por outro lado, os alunos belgas têm também uma maior carga de trabalhos para casa. Assim, quando chegam à universidade estão mais disciplinados no seu método de estudo. Ou seja, há um maior controlo sobre o percurso do aluno e insiste-se mais na avaliação.
Daquilo que me foi possível observar, penso que em Portugal faltará uma maior disciplina diária nas práticas de estudo dos alunos, quer nos trabalhos para casa quer na avaliação do seu trabalho. Na minha aula de Inglês, por exemplo, reparei que há miúdos que nunca estudam em casa, o que no meu país seria inconcebível.

Em Portugal a escola tende a privilegiar a avaliação contínua?

Klara: Essa forma de avaliação também é valorizada na Bélgica, mas lá o trabalho diário e o comportamento na sala de aula conta muito para a avaliação.

Concorda com esta opinião?

Dries: Sim. Nas minhas aulas de Inglês, por exemplo, os alunos faltam muito. E, na minha opinião, essa falta de assiduidade não influi tanto na avaliação como deveria. Porque, na prática, não há tanta prática de avaliação, ou ela centra-se sobretudo sobre os conhecimentos adquiridos.
Parece-me que esse possa ser um dos principais problemas do sistema educativo português e estar na origem das elevadas taxas de abandono, porque muitos alunos parecem não sentir essa obrigação de uma forma construtiva, não assumem a educação como algo fundamental mas apenas como mera opção. E é pena, porque há muitos bons professores, que dão as suas aulas com um empenho genuíno. Mas quando o sistema não motiva...

Nesse sentido, acham que em Portugal, por comparação ao vosso país, os professores privilegiam sobretudo o trabalho em grupo ou o trabalho individual?

Dries: Na Bélgica as reuniões de professores são semanais. Aqui parecem-me menos frequentes, o que no caso da minha escola poderá estar relacionado com a especificidade do currículo e pelo facto de haver tantos cursos diferentes. Nas aulas de pintura, por exemplo, só há um professor, o que conduz necessariamente a um trabalho mais individualizado.

Klara: Ao contrário do que acontece na escola do Dries, na minha os professores reúnem-se praticamente a cada dois dias. E vejo que se preocupam com os alunos mais problemáticos e que procuram soluções para eles, o que é muito positivo.

Dries: Eu diria que a diferença pode ser explicada pelo facto de a minha escola ter uma oferta muita específica e de haver muitos cursos diferentes. Depois, trabalham ali cerca de 150 professores, o que é um número muito elevado.

Profissão docente "cada vez menos valorizada pelos pais e pela sociedade em geral"

Passando para uma outra questão: em Portugal, um dos temas na ordem do dia é a avaliação do desempenho dos professores. Pessoalmente, como vêem esta questão?

Klara: O contexto português é muito diferente do belga. A opinião que vou dar baseia-se, por isso, na minha curta experiência aqui e não sei se posso generalizá-la. No entanto, sinto, por exemplo, que posso dar aulas sem ter uma grande preocupação em prepará-las previamente. Talvez isso aconteça por não estar a ser avaliada pelo meu desempenho, mas aplica-se também a outras situações, como poder dizer alguma coisa errada e não haver ninguém para me corrigir.
Na Bélgica não imagino uma situação assim. Ali, os professores têm um modelo científico e pedagógico que devem cumprir à regra. Não sei exactamente quais as consequências para aqueles que não o fazem, mas existe a noção de que têm de cumpri-lo com rigor. As notas dos estudantes acabam, nesse sentido, por ser um reflexo daquilo que o professor faz durante o ano.

Dries: Essa atitude é um reflexo da nossa cultura e da filosofia que atravessa o nosso sistema educativo, do valor que atribuímos à escola e do respeito que existe pela figura do professor. É uma filosofia que acaba por se estender mais tarde ao mundo do trabalho. Na Bélgica, o poder numa empresa está habitualmente representado numa pessoa e essa pessoa tem de ser respeitada para poder haver alguma ordem. As escolas funcionam um pouco a essa imagem.

De que forma se reflecte essa prática no trabalho diário do professor?

Klara: No nosso país o professor tem de entregar antes do início do ano lectivo um plano com o seu programa de trabalho, os objectivos a que se propõe e de que forma pensa concretizá-los. Depois, todos os semestres (ou todos os meses, não tenho a certeza) deve entregar um relatório com a avaliação do trabalho realizado no semestre anterior, descrevendo até que ponto conseguiu atingir as metas a que se propôs. Enfim, há todo um sistema de controlo do trabalho docente que aqui, aparentemente, não é tão rigoroso.

Dries: Sim, há uma maior organização, uma estrutura mais sólida na forma de se avaliar o trabalho. E essa estrutura está já presente na universidade, quando estamos em formação. Ao longo do período de estágio na escola o professor assistente está sempre presente.

Klara: Aqui sei que também existe supervisão dos estagiários, mas habitualmente são informados das alturas em que vão ser avaliados. Na Bélgica isso não acontece, os coordenadores de estágio podem aparecer em qualquer altura e os estagiários têm de estar bem preparados.

Dries: O coordenador encarregado da avaliação do estagiário tem de preencher um relatório sobre cada aula, mas também pode haver lugar a um controlo da própria universidade para ver de que forma ele está a trabalhar, e essa visita é sempre de surpresa. Enfim, há um maior controlo e uma avaliação mais rigorosa. E isso leva a um trabalho mais aplicado.

Nos últimos anos os professores portugueses têm vindo a sentir-se cada vez mais desvalorizados profissional e socialmente, sendo alvo de crescentes críticas quer por parte da sociedade quer, sobretudo, por parte do poder político. Isso também acontece na Bélgica?

Dries: Sim, de certa maneira. Mas essas críticas incidem habitualmente em aspectos que não estão directamente relacionados com o trabalho docente, como é o exemplo dos períodos de férias, que, para quem não conhece de perto a realidade, podem parecer excessivos. As pessoas falam assim mas não pensam na grande responsabilidade que os professores têm na formação das crianças e dos jovens. Sobretudo na escola primária, que é um nível de ensino cada vez mais difícil, fruto dos crescentes problemas sociais e do facto de os pais terem cada vez maiores dificuldades em saber educar as crianças.
Depois, há também uma crescente burocracia e uma diversidade de papéis que limitam muito o trabalho dos professores, delegando-lhe cada vez mais responsabilidades. Paradoxalmente, e apesar de ser uma profissão cada vez mais complexa, ela é cada vez menos valorizada pelos pais e pela sociedade em geral.

Tendo em conta essa opinião, pensam de alguma forma seguir a carreira de professor?

Dries: A minha presença aqui em Portugal serve exactamente para ter uma ideia acerca do que é a profissão docente. Mas apesar de não pretender seguir a carreira de tradutor, também não estou certo de querer ser professor. Provavelmente irei estudar mais um ano, fazer um mestrado numa outra área, mais específica, que me interesse mais.

Klara: Eu sempre tive vontade de dar aulas à noite. Na Bélgica existem cursos livres para adultos que se podem frequentar em qualquer altura da vida. Foi dessa maneira, aliás, que aprendi espanhol antes de ir para a universidade. Era algo que gostaria de fazer, ensinando espanhol ou mesmo português. Quanto a ser professora no ensino regular, tenho as minhas dúvidas, mas não ponho de parte essa hipótese.

Em que medida a vossa experiência em Portugal está a contribuir para conseguirem avaliar essa disponibilidade?

Klara: Penso que está a ser uma experiência muito positiva na medida em que é uma oportunidade de conhecer uma outra cultura, outra maneira de pensar e de estar. É fundamentalmente isso que me interessa retirar da minha estadia aqui. Em relação ao sistema educativo, também aprendi muito pois posso ter um termo de comparação. E nesse sentido considero que existem aspectos positivos que os professores belgas podem aprender a partir dos portugueses.
Mas também há o reverso da medalha. Antes de vir para cá tinha bastantes expectativas de que esta experiência me permitiria ficar com uma ideia mais clara sobre o que é a actividade de um professor. Nesse sentido, não resultou como eu queria. Achava, por exemplo, que o meu trabalho iria ser avaliado de uma forma mais consistente, e, a partir daí, poderia ficar com uma ideia sobre as minhas aptidões a nível científico e pedagógico. Mas não foi isso que aconteceu.

Dries: Eu tenho o mesmo problema. Estou a gostar muito de conhecer Portugal e de trabalhar na minha escola, que tem um ambiente muito descontraído. Mas não tenho uma ideia clara sobre a qualidade do meu trabalho, porque não há uma avaliação muito rigorosa. Por outro lado, e porque o sistema educativo português é um pouco diferente do belga, não fiquei com uma ideia muito objectiva sobre o meu trabalho aqui poderá aplicar-se ao contexto do sistema educativo do meu país. De qualquer maneira, a experiência Comenius não se limita à área profissional, serve também, como referiu a Klara, para ter contacto com outra maneira de estar e de pensar, e nesse aspecto tem sido muito positivo.

Sistema educativo belga: Um país, duas filosofias de ensino

Como se processa na Bélgica a entrada de um professor na carreira docente?

Klara:
A formação inicial de um professor tem a duração de três anos e atribui o grau de bacharel. Cada ano de formação integra um período de estágio efectuado nos dois níveis de ensino (básico e secundário) e nos diferentes ramos: geral, técnico, artístico e profissional, bem como no ensino especial. O período de tempo dedicado ao estágio vai aumentando à medida que se avança na formação, correspondendo praticamente a metade do ano lectivo no terceiro e último ano.
Terminada a formação nem sempre é fácil conseguir colocação, já que na Bélgica, ao contrário do que acontece em Portugal, não há concursos anuais para colocação dos professores. Em seu lugar existe uma agência de emprego, através do qual os candidatos se inscrevem através da Internet. No caso de conseguir um lugar, o professor pode ser colocado simultaneamente em dois estabelecimentos de ensino, fazendo com que de manhã, por exemplo, tenha de dar aulas numa escola situada a duas horas de casa e de tarde a uma outra ainda mais distante. É uma experiência que pode por vezes tornar-se bastante difícil?
Para se ser considerado professor efectivo é necessária esta experiência inicial de dois anos, seguida de um período de mais dois anos numa mesma escola. Só após decorrido este tempo o professor obtém um título que lhe permite ter prioridade quando se candidata a um lugar.

Parece ser um percurso bastante árduo?

Klara:
Sim, pode demorar muitos anos até se conseguir alguma estabilidade. Muitas pessoas contestam este sistema.

Dries: Apesar das dificuldades, existem muitas pessoas que querem seguir a profissão, porque é segura e bem remunerada.

O número de professores na Bélgica é excedentário ou deficitário em relação às necessidades do sistema?

Dries:
É uma área profissional onde existe uma certa oscilação. Há alguns anos, por exemplo, o governo criou esta agência de emprego docente porque o número de professores era excedentário em relação ao sistema. Actualmente faltam professores, particularmente em determinadas áreas. De qualquer maneira, vai atraindo sempre bastantes candidatos.

Klara: Na minha opinião, há mais períodos em que a oferta é excedentária do que o contrário.

O vosso país está dividido em três comunidades ? a Valónia, de influência francófona, a Flandres, mais próxima da Holanda e onde se fala maioritariamente o neerlandês, e Bruxelas, que é bilingue ?, cada uma delas com um governo próprio, autónomo do poder central. Existem muitas diferenças entre as escolas das três comunidades?

Dries:
Sim, há uma diferença significativa, derivada, sobretudo, da melhor situação económica da Flandres relativamente à Valónia.

De que forma está organizada a rede escolar? Cá em Portugal a tendência mais recente é para concentrar escolas e reuni-las em agrupamentos?

Klara:
Isso também está a acontecer na Bélgica. Muitas escolas secundárias têm vindo a juntar-se em agrupamentos, porque também é uma forma de receberem mais subsídios por parte do governo.

Mas isso é imposto pela administração ou são as próprias escolas que decidem juntar-se?

Dries:
Na Bélgica a maioria das escolas são "católicas livres" e têm muita autonomia. Podem decidir juntar-se a outras escolas por, entre outros motivos, decorrerem daí vantagens económicas. São também as que têm maior prestígio. Apesar de serem privadas, recebem subvenções do governo - se bem que em menor proporção relativamente às escolas comunitárias públicas.

Depreendo, então, que os orçamentos para a educação são organizados a nível regional?

Dries:
Sim, porque o sistema está organizado por comunidades. A Flandres, tal como a Valónia, tem a sua própria tutela da educação, o que traz vantagens a nível das competências e do orçamento. E isso reflecte-se, por exemplo, na filosofia da educação posta em prática na Flandres, que é diferente relativamente à Valónia.

Em que sentido é diferente?

Dries:
Eu diria sobretudo na área disciplinar. Penso que na Valónia se insiste menos na disciplina e na exigência por comparação à Flandres. A organização do sistema (dois ciclos de seis anos cada, divididos entre básico e secundário) é igual para todo o país, mas os métodos e a filosofia de ensino são diferentes.

Qual é a proporção de alunos que estuda no ensino particular?

Dries:
Não sei dizer ao certo, mas seguramente a maioria. Na Bélgica as escolas católicas livres têm, em geral, maior prestígio, o que se reflecte numa maior procura.

Klara: As escolas comunitárias são consideradas quase como de segunda escolha, o que se reflecte na existência de alguns problemas sociais, nomeadamente a "guettização" de alguns sectores sociais, sobretudo de emigrantes.

De facto, a Bélgica é um país caracterizado por uma elevada diversidade étnica. De que forma têm as escolas lidado com essa diversidade e de que forma ela é trabalhada?

Dries:
Uma das funções do meu trabalho aqui em Portugal consistiu em preparar um grupo de alunos que estão neste momento a estudar numa escola secundária de Antuérpia onde coexistem jovens de 52 nacionalidades. Consultando o sítio da Internet dessa escola pude constatar que ali se estão a elaborar uma série de projectos que vão precisamente no sentido de proporcionar o convívio e o conhecimento mútuo entre diferentes culturas. Mas mesmo nas escolas onde as comunidades estrangeiras são uma minoria existem também este tipo de projectos, para que os alunos não percam de vista a importância do relacionamento com outras culturas e costumes sociais.

Klara: Será talvez importante referir que mesmo nas escolas católicas livres, onde a presença de alunos estrangeiros é menor, existe desde há algum tempo a possibilidade de os alunos optarem por aulas de formação religiosa de outras confissões.

Em Portugal tem-se levantado a questão das dificuldades de adaptação à língua dos alunos estrangeiros e o reflexo desse obstáculo no rendimento escolar. Tendo em conta que o vosso país tem uma experiência mais antiga nesse domínio, de que forma é encarada esta questão?

Dries:
O sistema de ensino belga não prevê a existência de aulas na língua materna dos alunos emigrantes. No caso da Flandres, esses alunos têm de seguir as matérias em neerlandês. Existem aulas de apoio, mas fora da escola.

Klara: É um problema que os próprios alunos têm de resolver. Claro que essa situação coloca muitos problemas, porque origina muitas vezes que alunos com capacidades se desmotivem e fiquem marcados por percursos de insucesso. Por outro lado, a maioria dos estudantes que agora entra para a escola é emigrante de segunda geração e adapta-se à língua antes de iniciar o percurso escolar, o que facilita a sua inclusão.

Entrevista conduzida por Ricardo Jorge Costa


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 162
Ano 15, Dezembro 2006

Autoria:

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Klara Tesseur

Dries Rombouts

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Klara Tesseur

Dries Rombouts

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo