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Ao despejar a água suja do banho também se deita fora o bebé: A propósito da resolução 1481 da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa
Numa época em que se reconhece cada vez mais a necessidade de defender a cidadania, contra as tentativas dos poderosos do mundo de proceder ao desmantelamento sistemático dos direitos sociais conquistados pelos trabalhadores e os povos através da sua luta, não é possível deixar passar em claro as tentativas de condenação deste combate e da sua história, a pretexto da alegada denúncia dos crimes daqueles que o defraudaram para defender interesses que lhe são estranhos.
A este propósito é elucidativo o teor da Resolução 1481, de 25 de Janeiro de 2006, da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa (Necessidade de uma condenação internacional dos crimes dos regimes comunistas totalitários), que imputa aos estados em que alegadamente vigoraram ou vigoram tais regimes a violação massiva dos direitos do homem ? traduzida em assassinatos, extermínios, torturas, deportações e prisões em massa de populações ? considerando que a sua intensidade variaria em função da cultura, do país e do período histórico em causa e que a mesma teria sido justificada em nome da teoria da luta de classes e do princípio da ditadura do proletariado (Pontos 2. e 3. da Resolução).
Após o que sustenta que a consciência histórica da situação em apreço é condição indispensável para se evitar a repetição de acções desta natureza, alegando que o julgamento moral e a condenação dos crimes cometidos desempenham um papel importante na educação das jovens gerações, para concluir que uma posição clara da comunidade internacional sobre este passado poderia servir de referência para a sua acção futura e permite esperar que ela encoraje os historiadores do mundo inteiro a prosseguir as suas investigações no sentido de esclarecer objectivamente os factos (Pontos 7., 12. e 14 da Resolução).
O mínimo que se pode dizer é que de uma cajadada matam-se dois coelhos:
Ao mesmo tempo que se "condena" os crimes dos governos estalinistas que usurparam o poder político aos cidadãos para defenderem os seus privilégios nos estados em que o capital foi expropriado, mete-se no mesmo saco o amplo leque de conquistas sociais resultantes da economia planificada, no domínio laboral, da saúde e da educação de que tais cidadãos beneficiavam e cujos vestígios são ainda hoje detectáveis no alto nível de qualificação dos trabalhadores emigrantes oriundos dos países de leste.
Esquece-se de referir que, quando esses mesmos trabalhadores se revoltaram contra a nomenclatura, da Alemanha de Leste à China, passando pela Hungria, pela Checoslováquia e pela Polónia, a partir de 1953, os mesmos que propõem a condenação do comunismo, do marxismo e das conquistas sociais que tais revoltas procuravam defender e aprofundar, uniram-se aos algozes estalinistas, ajudando-os a isolar e a derrotar os revoltosos, culminando essa santa aliança contra-revolucionária com a assinatura dos acordos de Helsínquia em 1975, que, entre outras cláusulas, previam a inalterabilidade das fronteiras europeias herdadas de Yalta e de Potsdam(1945), statu quo que contribuiria para prolongar a vida dos burocratas totalitários, à custa de aberrações como a divisão artificial da Alemanha e da Europa até 1989.
Para justificar a política e o discurso anti-social da globalização imperialista a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa procura condenar uma das principais conquistas históricas do movimento operário mundial, iniciada com a Revolução Socialista de 1917 na Rússia. Para o que não deixa sequer de tentar envolver os historiadores na legitimação desta operação, certamente com o objectivo de "ajustar" a memória aos seus desígnios.
Perante tamanho cinismo é caso para dizer que ao despejar a água suja do banho também se deita fora o bebé!

  
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Edição:

N.º 162
Ano 15, Dezembro 2006

Autoria:

José Marques Guimarães
Universidade Aberta, Lisboa
José Marques Guimarães
Universidade Aberta, Lisboa

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