Uma outra escola secundária
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De acordo com dados oficiais existem em Portugal 3 500 000 de activos sem diploma do ensino secundário dos quais 2 600 000 nem o diploma da educação básica possuem. Há 485 000 jovens a trabalhar, com 18-24 anos, sem certificação de nível secundário, dos quais 266 000 não possuem sequer o diploma da escolaridade obrigatória. A taxa de conclusão do ensino secundário dos jovens adultos (20-24 anos) não chega a atingir os 50 por cento. Na União Europeia mais de 3/4 dos jovens naquela faixa etária concluem aquele nível de ensino. Também se sabe que mais de 50 por cento dos jovens portugueses que chegam ao 9.º ano já reprovaram pelo menos uma vez. Esta situação é insustentável, é incompreensível e inaceitável num país democrático europeu. No dia 15 de Novembro foi apresentado o Referencial de Competências-Chave para o ensino secundário. Trata-se de um instrumento fundamental para que o processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (RVCC) possa alargar-se aos milhares de cidadãos portugueses que, estando no mercado de trabalho há pelo menos três anos, não concluíram aquele nível de ensino. É uma medida que me encheu de esperança e, simultaneamente, me fez reflectir. Encheu-me de esperança porque, depois do rotundo fracasso do ensino recorrente e de outras medidas orientadas para a formação de adultos, parece que estamos perante um sistema que pode responder de forma inovadora, diversificada e contextualizada às necessidades que os números acima indicados evidenciam. Quero crer que se vai pôr em prática um sistema que não se limitará a ser um conjunto de secretarias cheias de burocratas a analisar portfolios. Quero crer que vamos ter um sistema transparente, responsável e incorruptível. Um sistema inteligente, flexível, dinâmico e prestigiado, que apoie as pessoas no desenvolvimento dos saberes e competências que não possuem e que lhes reconheça sem tibiezas as que já adquiriram. Um sistema cuja acção esteja mais relacionada com o conhecimento, com a investigação e com a inovação nos processos de formação e nos processos de desenvolvimento curricular. Mas, como dizia, também me fez reflectir sobre a escola secundária que temos. Uma escola que se tem mostrado incapaz de ser democrática pois persiste em ser apenas para alguns. Uma escola que tem tido dificuldade em reconhecer e integrar as diferenças e em flexibilizar-se. Uma escola que resiste ao ensino experimental, às tecnologias, à resolução de problemas e ao desenvolvimento de projectos que a aproximem das realidades sociais, ambientais, científicas e tecnológicas em que vivemos (Ontem ouvi um jovem clamando contra a Área de Projecto que "não devia fazer parte do currículo porque não dá matérias"?). Enfim, uma escola-liceu cujo papel quase se reduz a encaminhar uma minoria dos alunos que nela ingressam para o ensino superior. Uma escola que vive atolada num modelo de relação com o Ministério da Educação que há muito está esgotado. A sociedade precisa de uma outra escola secundária. Mais autónoma e mais responsável pelas suas acções e decisões. Mais aberta à realidade. Com projecto. Capaz de sair definitivamente da asfixiante atmosfera em que há anos vive mergulhada. É necessária uma avaliação que oriente e regule, que corrija e desenvolva. Que possa incentivar todos os intervenientes, a todos os níveis, a melhorar a educação e a formação dos jovens. É uma questão ética e política da maior relevância. O Referencial de Competências-Chave para o secundário e o sistema que lhe está subjacente vem, de certo modo, dizer-nos que o sistema educativo e formativo tem falhado largamente. Há agora uma oportunidade para que se repensem e melhorem formas de organização e de funcionamento pedagógico das escolas e dos centros de formação. E é preciso dizer que as escolas são capazes de o fazer pois possuem meios e recursos humanos altamente qualificados para que assim aconteça. Os centros RVCC criados, ou a criar, nas escolas secundárias podem constituir verdadeiros pólos de transformação e de inovação que contrariem a ideia de que as escolas públicas não são capazes de "agarrar" este desafio.
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Ficha do Artigo
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Edição:
Ano 15, Dezembro 2006
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Autoria:
Univ. de Lisboa, Fac. de Psicologia e de Ciências da Educação
Univ. de Lisboa, Fac. de Psicologia e de Ciências da Educação
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