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Escola a tempo inteiro? Não, obrigado!
O programa da «Escola a Tempo Inteiro» está em marcha. É um programa sobre o qual vale a pena reflectir, quanto mais não seja porque, através dele, se revelam alguns dos traços estruturantes do estilo de governação da equipa liderada pela Professora Maria de Lurdes Rodrigues (MLR).
É, assim, à luz deste princípio que importa começar por reconhecer a importância estratégica que essa equipa atribui ao impacto público das iniciativas que promove, enquanto condição política necessária à justificação e assunção das mesmas. Como se sabe, o programa da «Escola a Tempo Inteiro» cumpre este requisito, quando publicamente se invocam as necessidades sociais e educativas para conferir credibilidade a esse programa.
Equacionada a possibilidade dos ganhos políticos, define-se, então, o tempo desejável de implementação da iniciativa, o qual é inversamente proporcional à popularidade da mesma. Isto é, quanto mais expectativas houver acerca dos lucros políticos a auferir, menos tempo a medida deverá levar a ser concretizada. No caso do programa da «Escola a Tempo Inteiro» parece que estamos perante uma situação de prioridade máxima, dada a pressa com que esse programa foi universalizado. Os inúmeros percalços do seu arranque, a desqualificação pedagógica dos animadores, a barafunda organizacional ou as ambiguidades e indefinições que o afectam são consequência directa de uma partida demasiado apressada. Ambiguidades e indefinições estas onde se incluem os problemas da tutela desse programa e a ausência de uma definição mínima acerca do estatuto profissional daqueles que são os responsáveis pelas denominadas actividades de enriquecimento curricular, os quais se constituem como dois dos obstáculos a considerar, quando contribuem, por razões distintas, para a desqualificação educativa do programa.
Há que reconhecer, por fim, que as vulnerabilidades enunciadas se dependem da estratégia política sumariamente descrita, dependem, também, da incompetência daqueles que têm que assumir decisões de natureza técnica no seio do Ministério da Educação. Só isso explica que se tenha tentado construir um programa que, baseado nas iniciativas mais criticadas que tinham lugar no seio dos espaços ATL, contribuiu para escolarizar o tempo livre das crianças. O que as meninas e os meninos deste país menos precisam, neste momento, é de mais escola. Necessitam certamente de uma escola melhor, mas isso é mais difícil de construir. Não só exige um tempo que não é compaginável com as exigências do calendário político do governo, como desagradaria, igualmente, àqueles fazedores de opinião que têm mais peso nas decisões de MLR do que os estudos cuidados e criteriosos de todos aqueles que são os especialistas reconhecidos da matéria.
Dito isto, importa afirmar que não é a valência da ocupação dos tempos livres no seio das escolas que pomos em causa, mas o alargamento canhestro do tempo escolar, o qual vai contribuir para que os mesmos de sempre, aqueles que afinal nunca têm opção, vejam a sua infância e a sua educação penalizadas pelo processo de crescente institucionalização educativa das suas vidas.
O que fazer?
No próximo artigo, enfrentaremos esta resposta, sabendo-se, no entanto e desde já, que as iniciativas, neste âmbito, não se compadecem nem com medidas centralizadoras e geridas de forma burocrática, nem com a desvalorização dos profissionais de educação envolvidos, nem, finalmente, com a ausência de dispositivos de monitorização que possam contribuir para pilotar os projectos e permitir aprendizagens, neste âmbito, que são tão ou mais decisivas quanto nos encontramos num domínio da educação, a dos espaços educativos não-formais, que necessita, desde há muito tempo a esta parte, de ser objecto de reflexão urgente.
Foi Soeiro Pereira Gomes quem dedicou os «Esteiros» àqueles homens que nunca foram meninos. O que se passou, entretanto, para esquecermos como o tempo da infância é um tempo tão precioso quanto necessário?

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 162
Ano 15, Dezembro 2006

Autoria:

Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto
Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto

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