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A quem vamos ensinar a ciência que hoje fazemos?

Ultimamente tenho andado bastante preocupado, porque parece que serei obrigado a mudar de profissão. De facto - enquanto cientista (ou físico) em exercício ainda actualmente neste início do séc.  XXI ? não encontro público a quem ensinar aquilo que vou produzindo na investigação:

  • Na Universidade, rarefazem-se (ou evacuam-se) os (poucos) alunos de Física...
  • Ainda na Universidade ? pelo menos na minha! ? os alunos de Engenharia, aos quais os físicos também dão aulas, contentam-se com a Física anterior ao início do século XX!...
  • No ensino secundário, onde agora  - dizem! ? se ensina ?Física Moderna?... afinal esta ?modernidade? termina no Einstein de há 101 anos!...

Ora eu queria era falar a alguém  da Física CONTEMPORÂNEA, que estamos ainda a criar agora (a Moderna, como disse, já está muito ?velha?!)... mas temo, realmente, estar-me a transformar, cada vez mais, num ?historiador? ? mesmo que seja um ?historiador de Ciência?! ? para o que não creio ter vocação! E desde que fui explicar ao infantário do meu filho, perante vinte ?pares-de-olhos de 5 anitos?, o que era um ?cientista da luz? (na designação que eles me deram!)... deixei de perceber por que não poderia falar ?destas coisas? no ensino secundário!
Senão vejamos: enquanto estive na Universidade do Minho, trabalhei em espectroscopia Raman (pela qual o próprio Raman recebeu o prémio Nobel em 1932... o que sempre é um quarto de século mais recente que a ?modernidade? atrás referida, e cujo centenário comemorámos em 2005); além disso, usava um laser (criado pela primeira vez em 1960... a que, obviamente, Raman nunca teve acesso!); nos últimos anos, com a ida para a Universidade de Évora, comecei investigação no CeFITec da FCT/UNL, utilizando um microscópio de força atómica (vulgo AFM)... desenvolvido por Rohrer e Binnig ? ambos prémios Nobel em 1987 pelo microscópio de efeito túnel, STM ? no início da década de 90... uns bons 15 anos após eu ter concluído o meu curso... e até o doutoramento! Sou, portanto, um físico contemporâneo (e não um moderno...) e busco o público a quem posso introduzir a investigação que faço no dia a dia... E  estou longe de ser caso único... pois muitos dos meus colegas se deparam com problemas semelhantes! Alertei para isso num artigo na ?Página da Educação? [?Haverá Física depois de Planck??, in www.apagina.pt , Arquivo por Autores]... mas o artigo, infelizmente, mantém-se actual.

E ainda acrescem a este ?panorama? três aspectos que o acentuam:

  1. Num contexto em que a Física e a Química são ensinadas conjuntamente até ao 11º ano ? embora desde que estou na SPF, ou seja, desde que era aluno, esta Sociedade reivindique a separação das duas disciplinas no secundário! -, cerca de 2/3 dos professores são químicos, ou engenheiros químicos, ou físico-químicos do ramo de Química... e se isso favorece o ensino da Química... não favorece o da Física!
  2. Os programas ? para além de não preverem temas mais actuais, ou contemporâneos ? incluem, na sua última versão, algumas actividades experimentais... mas estas não existem nas escolas fora das grandes cidades... e o ?Hands-on-Science? desejado termina muitas vezes apenas nos velhos acetatos... [Mais de vinte anos de orientação científica de estágios, de Braga a Évora, confirmam este facto... Como não oriento há 2 anos... desejaria acreditar que estou enganado quanto à situação mais recente!]
  3. Finalmente, um ponto que reputo de essencial: só pode transmitir entusiasmo aos alunos sobre um domínio quem com ele contactou criativamente (ou seja, ?investigou?!)... e não há razão para que toda a investigação fique nas Universidades (e Politécnicos)... ou a que seja feita nas escolas básicas e secundárias assente numa base de ?voluntariado? e ?ocupação dos tempos livres? (que agora se designa de ?componente não lectiva?!)... Há cerca de dois anos escrevi um artigo na ?Página de Educação? [?Escolas de Pesquisa?, in www.apagina.pt , Arquivo por Autores] defendendo a incorporação nos Centros de Investigação de colegas do ensino básico/secundário, com horários lectivos reduzidos, que completariam com participação em equipas de investigação. E mantenho... pois o CIÊNCIA VIVA, internacionalmente muito elogiado, - e tendo embora sobrevivido ao ?regime de dieta? do anterior governo ? parece-me apenas um ?oásis?, que deverá entrar na fase de consolidação e generalização... e deverá dispor de meios para o fazer!

Desejo profundamente estar equivocado, e que as críticas que aqui deixei, no próximo ?Hands-on-Science?, sejam já tão ?históricas? como a Física que posso leccionar actualmente!


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 161
Ano 15, Novembro 2006

Autoria:

Manuel Pereira dos Santos
Professor Catedrático da Univ. de Évora
Manuel Pereira dos Santos
Professor Catedrático da Univ. de Évora

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