Página  >  Edições  >  N.º 161  >  ciberleitura (II)

ciberleitura (II)

«Todos nos lemos a nós próprios e ao mundo à nossa volta para vislumbrarmos o que somos e onde estamos.»
Alberto Manguel,
Uma História de Leitura (1999)

A exegese do texto universal requer uma leitura tão diversa quanto a nossa criatividade possa imaginar. Mas o que se entende por leitura? A Roland Barthes não restam dúvidas, ler é «(?) reescrever o texto da obra dentro do texto de nossas vidas». Já Manguel afirma que «(?) nós, os leitores de hoje, ainda temos de aprender o que é a leitura» (1999).
A palavra leitura é plena de significados; diferentes contextos determinam significados diferentes. Contudo, ela é sempre sinónimo de capacidade de decifrar e traduzir sinais ou signos. Vejamos alguns exemplos: o astrónomo lê o mapa das estrelas; o dançarino lê as notações do coreógrafo; o músico lê as pautas de música; o pensador lê as ideias que formula; nós lemos quadros, fotografias, paisagens, textos?. Seja qual for o campo de acção, estamos sistematicamente a fazer leituras. Robert Scholes (1991) diz‑nos que «(?) o mundo inteiro é um texto (?)», ou seja, uma sociedade não pode existir sem a leitura uma vez que nada existe fora da textualidade.
Etimologicamente, ler deriva do verbo latino legere que significava colher. Quando os romanos começaram a ler, transferiram esse significado para a leitura, porque verificaram que das palavras se podia colher algo (Cf. Cadório, 2001). Actualmente, no dicionário Priberam (http://www.priberam.pt/dlpo/dlpo.aspx), ao verbo ler são atribuídos os seguintes significados: i) conhecer, interpretar por meio de leitura; ii) recitar; iii) pronunciar o que se lê e iv) compreender. Tais significados podem enquadrar‑se em diferentes contextos. Relativamente ao estudo CiberLeitura, interessa a leitura de textos escritos para normovisuais, independentemente do suporte em que se inscrevem.
Lemos através de todos os nossos sentidos, começando pela visão. Os olhos foram considerados por alguns autores como parte fundamental na leitura. Para Cícero (106?43 a.C.) o sentido mais apurado era a visão, fazendo notar que se recorda com mais facilidade um texto que se lê do que um texto que se ouve. Santo Agostinho (354?430) apontou os olhos, quer de forma positiva quer de forma negativa, como ponto de entrada no mundo. São Tomás de Aquino (1225?1274) considerava a visão como o sentido mais importante através do qual se alcançava o conhecimento. Na perspectiva de Ruskin (finais do Séc. XIX) a leitura era uma conversa com pessoas de outras épocas (assim tinha pensado também Descartes), muito mais interessantes e sensatas do que qualquer indivíduo que nos circunda.
Colocando a leitura numa linha do tempo, Roger Chartier distingue 3 revoluções: a 1ª deu‑se no início da Idade Moderna (Séc. XV) e consistiu na passagem da leitura em voz alta à leitura silenciosa. Esta alteração provocou transformações imensas, pois o leitor passou a reflectir individualmente sobre o que lia em vez de reflectir sob orientação; no fundo, os textos deixaram de ter uma função exclusivamente de preservação, para passar a ser um instrumento de trabalho intelectual.
A 2ª revolução aconteceu no Séc. XVIII e consistiu numa leitura menos aprofundada e numa diversificação de géneros literários, já que até aqui o tema era normalmente de índole religiosa. Esta situação deve‑se, sobretudo, a um grande crescimento da produção do livro, ao sucesso dos livros de pequeno formato, ao aumento do nº de jornais e à proliferação de clubes e sociedades que possibilitavam a leitura de livros e revistas sem ser preciso comprá‑los.
A 3ª revolução teve início já na nossa época e trata‑se da transmissão electrónica de textos. Neste caso, a grande mudança prende‑se com o suporte de leitura que deixou de ser exclusivamente manuseável, como acontece num livro, por exemplo, para passar a ser também virtual. Outra alteração diz respeito ao processo de produção e de transmissão dos textos: enquanto que, anteriormente, autoria, produção e transmissão eram da exclusividade de diferentes indivíduos, hoje em dia tais tarefas podem estar concentradas numa só pessoa. O autor afirma que a passagem da leitura impressa para o monitor do computador é tão significativa como foi a passagem do rolo ao códex durante os primeiros anos da era cristã.
Mais leituras, na Parte III, a seu tempo.


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 161
Ano 15, Novembro 2006

Autoria:

Betina Astride
Agrupamento Vertical de Montemor-o-Novo
Betina Astride
Agrupamento Vertical de Montemor-o-Novo

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo