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O chat, aquilo que parece e não é e aquilo que é e não parece

Não, stora, eu sei que até nem sou burra, não sou nada burra. Até pode parecer por eu ter tido 5 negativas o ano passado mas é verdade que chumbei no 6º ano mas foi por faltas e porque eu quis e foi por isso que eu estou este ano nesta escola e até lhe posso contar porque é que eu vim de V., para aqui, para o Porto.
È que o meu pai, lá com as bebedeiras dele já nem dava assistência à minha mãe e a stora compreende, ela só tem 36 anos e estava para ali abandonada e foi quando começou a falar com o vizinho de baixo, que era um tipo fixe, porreiro, até que era um gajo sério e ela só lá ia fazer confidências, mas o meu pai não podia saber porque podia pensar coisas e não era verdade e ela só lá ia confidenciar. A minha mãe estava lá em casa do meu vizinho muitas vezes e eu, quando vinha a entrar e via o meu pai até o chamava e dizia muito alto, Óh pai!!! que  era para ela ouvir e ir a correr para casa. Mas ela estava com o vizinho mas não queria nada com ele porque sabe, stora, ela estava era a falar cum gajo dum chat, sempre, sempre no chat, passava o dia naquilo, até que se apaixonou por ele e depois foi estar com ele. Às vezes estava com o vizinho mas era só para confidenciar, e com quem ela estava de verdade era com o gajo do chat.
Mas um dia, em Dezembro, o meu pai soube e pô-la fora de casa e já era muito noite disse que ela tinha que sair até às 9h da noite e eu comecei a chorar e chorei tanto, tanto, que o meu pai disse que então ela podia ficar mais um bocado e sair só à 1h, de madrugada. Ela não tinha para onde ir e eu não podia ir com ela. Aí o meu pai foi ao tribunal e eu tive que ficar com ele, mas eu não queria ficar com ele, queria ir para a minha mãe mas o tribunal não deixou e o meu pai não me dizia onde estava a minha mãe e dizia que me matava se eu fugisse ou fosse ter com ela e prontos, e eu, pois, tinha medo dele e não podia ir.
Mas depois pensei, pensei e foi então que comecei a faltar às aulas, a faltar, a faltar; e as professoras da escola falaram comigo e a psicóloga também e eu dizia-lhes tudo mentira, que o meu pai não queria saber de mim, me tratava mal, não me dava dinheiro para comer na cantina e que eu não conseguia estar em casa e isso tudo. Mas era tudo mentira, ele dava-me dinheiro e tudo mas eu dizia que não e elas acreditaram; depois veio uma assistente social falar comigo e eu disse-lhe a mesma coisa e continuei a faltar às aulas, porque o que eu queria é que me tirassem ao meu pai, porque eu não queria nem por nada viver com ele, Deus me livre, não é que eu não goste dele, até nem é mau, mas viver com ele, isso não, e eu queria era ir para a minha mãe.
Depois do tribunal chamaram-me e a minha mãe, que também estava a tratar dos papeis também estava lá e aí eles tiraram-me ao meu pai e deram-me à minha mãe e eu vim viver com ela e o meu pai não pôde fazer nada.
Agora vivo aqui no Porto, com a minha mãe e o tipo do chat que até é um gajo porreiro mas só que a filha dele, essa é muito chatinha e um bocado insuportável e dela eu não gosto. Mas pelo menos estou com a minha mãe e o meu pai agora não pode fazer nada.
Mas eu até não sou burra e a stora vai ver, este ano até vou passar e com boas notas e tudo.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 161
Ano 15, Novembro 2006

Autoria:

Angelina Carvalho
Colaboradora do CIIE da faculdade de psicologia e ciências da educação da Universidade do Porto
Angelina Carvalho
Colaboradora do CIIE da faculdade de psicologia e ciências da educação da Universidade do Porto

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