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"Somos mão-de-obra barata"

Professores das ACE queixam-se da precariedade laboral

Não se identificam por medo de represálias. Temem que a sua indignação seja motivo para fim de contrato de prestação de serviços. E o fim da aventura de leccionar Inglês no 1º ciclo, ainda que na condição de trabalhadoras a recibos verdes. Anabela e Lúcia (nomes fictícios) têm 25 anos e são professoras contratadas por uma autarquia para dar aulas no contexto das Actividades de Enriquecimento Curricular (AEC). 
É o segundo ano que leccionam Inglês. Do primeiro relatam situações insólitas. Da sua condição profissional e do funcionamento das aulas. Estiveram três meses a leccionar sem receber. Só nove meses após o início da sua actividade docente é que a situação laboral foi regularizada. Receberam 7,50 euros por 45 minutos de aula. Deram aulas em cantinas e em polivalentes. No fim de uma aula de Anabela, o transporte alugado pela autarquia para fazer as deslocações dos alunos não apareceu para os levar de volta às respectivas escolas. A professora teve de ir à procura do transporte na empresa de camionagem e foi-lhe dito que o condutor se tinha esquecido daquele serviço. Com um atraso de quase 40 minutos os alunos forma entregues aos pais.
Este ano lectivo arrancou com os mesmos atropelos. Continuam a recibos verdes. Recebem 9 euros. Os horários são ?muito incompletos?. Em média, cada professor do concelho a trabalhar nas AEC lecciona entre nove a 18 horas semanais. E por isso, é ?obrigado? a dar à escola mais duas horas de trabalho extra não remunerado. Quem tiver um horário superior a 18 horas, dá mais quatro horas de trabalho extra. Dispensados desta componente não lectiva estão os professores cujo horário não perfaz as oito horas semanais. Tiveram de ?tomar conta dos alunos? no intervalos, entre as AEC por falta de auxiliares de acção educativa. De acompanhar os alunos nas deslocações.
Ainda assim, Anabela e Lúcia aceitaram leccionar pelo segundo ano no mesmo concelho. A justificação é simples: não há emprego para os professores. Mas a precariedade faz com que muitos dos ?contratados? desistam de leccionar assim que arranjam outro emprego melhor remunerado. Lúcia pensa fazer o mesmo se a situação não tiver um reverso. ?Nem que tenha de ir trabalhar para outra coisa qualquer.? No ano passado, Lúcia leccionou a turmas em que os alunos já tinha tido duas ou mais professoras antes de si. ?Eles até perguntavam quanto tempo eu ia ficar...?
Enquanto professoras, licenciadas, Lúcia e Anabela dizem sentir-se inferiorizadas em relação aos restantes docentes. ?Acho que nos vêm como professores de segunda apesar de termos as mesmas habilitações?, queixa-se Anabela. Relatam alguns atritos entre os professores de turma e os das AEC. ?O nosso estatuto como professoras está muito posto em causa?, diz Anabela, explicando que observou casos em que os próprios professores da turma, sendo contra a ideia de AEC, avisavam os pais dos alunos para não os inscrever nas actividades. E mais grave, segundo Anabela: ?Diziam aos alunos que quem mandava eram eles!? Esta desautorização dificultou o trabalho de quem estava na mesma situação que Lúcia e Anabela. ?Cheguei a ter casos em que os pais não tinham ideia que nós éramos licenciadas para ensinar Inglês!?, diz Anabela.
Acresce que, este ano lectivo, a autarquia para a qual trabalham exigiu que cada professor fizesse um seguro de trabalho por conta própria. Os valores do seguro rondam os 150 euros anuais. ?É um seguro que cobre acidentes que podem ocorrer durante o acompanhamento dos alunos nos transportes para as aulas?, explica Lúcia. São horas de ?auxiliar de acção educativa? que não são pagas. E também uma imposição da qual depende a assinatura do contrato.
Quando terminaram o curso, Lúcia e Anabela, sabiam que iam ter um início de carreira difícil. Mas não esperavam que uma entidade pública se ?aproveitasse desta forma? da precariedade típica da profissão. Fazendo as contas ?por alto? Lúcia chegou à conclusão que terá cerca de 540 euros por mês de vencimento, ?se o ano for de poucos feriados semanais e o professor titular não faltar, porque quando isso acontece mandam os alunos embora e nós não recebemos.? Tirando os meses de Julho, Agosto e Setembro, em que não vão receber, mais as duas semanas de férias dedo Natal e da Páscoa, no fim do ano Lúcia prevê que tanto esforço não será visível em termos monetários. ?Somos mão-de-obra barata?, lamentam as professoras, sem optimismo, porque já se deram conta que ?o cenário não parece estar para mudar?.


  
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Edição:

N.º 161
Ano 15, Novembro 2006

Autoria:

Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação

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