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Começo atribulado com professores contratados e mal pagos

ESCOLA A TEMPO INTEIRO

Implementar a ?escola a tempo inteiro? O conceito está na base da criação das actividades de enriquecimento curricular (AEC), no 1º ciclo do Ensino Básico, regulamentada pelo Despacho n.º 12591/2006 (2.ª série), do Ministério da Educação.  O ?sucesso escolar futuro? dos alunos bem como ?a urgência de adaptar os tempos de permanência das crianças nos estabelecimentos de ensino às necessidades das famílias? e de ?garantir que esses tempos são pedagogicamente ricos e complementares das aprendizagens? justificam a medida de acordo com o despacho ministerial.
A PÁGINA fez uma insistente ronda telefónica com a intenção de recolher o máximo de informação junto dos responsáveis pelo desenvolvimento das AEC. Procurámos saber em que termos se fez a contratação de professores, os salários estipulados e as dificuldades decorrentes de todo o processo. Em muitas destas tentativas de contacto ou de marcação de contacto, fomos remetidos de entidade para entidade e de pessoa para pessoa. Como se o segredo fosse «a alma do negócio». Em muitos casos, neste labirinto, não foi possível obter a informação procurada. O possível é o que aqui se relata relativamente a quatro autarquias: Esposende, Évora, Guarda e Porto.

Câmara Municipal de Esposende

A autarquia assumiu-se como entidade promotora das actividades de enriquecimento curricular no 1º ciclo do Ensino Básico em colaboração com os agrupamentos de escolas. As áreas contempladas foram as da Educação Musical, Educação Física e Motora, Expressão Dramática e Plástica e o Inglês. Os professores foram contratados mediante a abertura de um concurso público. As candidaturas e as entrevistas estiveram a cargo de um júri constituído por responsáveis da autarquia e dos agrupamentos de escolas. Para os 80 lugares disponíveis no concelho a autarquia recebeu 280 candidaturas. ?A apreciação contemplou, no caso da contratação dos professores de inglês, quem já tinha experiência de leccionar no concelho no ano lectivo passado?, explica Emília Vilarinho, vereadora do pelouro da Educação garantindo que ?esse vai ser um critério a prosseguir? para as restantes AEC e nos próximos anos. Uma vez que, assegura, ?a autarquia está empenhada em promover a continuidade do trabalho?. Nesse sentido, Emília Vilarinho anuncia a criação de um sistema de avaliação do trabalho desenvolvido pelos professores que ficará a cargo da autarquia e dos diferentes parceiros envolvidos no planeamento destas actividades. ?Pretendemos com isto criar uma bolsa de professores e mantê-los?, garante a vereadora e acrescenta: ?Dentro desta grande precariedade que abala os professores, interessa-nos pelo menos salvaguardar os que estão a trabalhar connosco.? Ainda que a contratação esteja a ser feita, de momento, em regime de prestação de serviços.
Sobre o assunto que mais polémica tem causado, os salários pagos aos docentes das AEC, Emília Vilarinho lamenta só ter condições para pagar 11 euros por hora e justifica: ?A autarquia fez um estudo económico para averiguar a possibilidade de aumentar o vencimento para os 12 euros e os resultados não deram garantias sobre a viabilidade de tal aumento.? Para o ano ? assegura a vereadora ? ?é ponto de honra para a autarquia aumentar o valor pago por hora aos professores, mas neste momento não é possível porque temos de fazer grandes investimentos em equipamentos.?

Câmara Municipal de Évora

Para leccionar as Actividades de Enriquecimento Curricular (AEC), foram contratados professores de Inglês e Educação Física. As aulas de Educação Musical ficam a cargo do Conservatório Regional de Évora. A Educação para a Cidadania, que engloba temáticas como ambiente, relações interpessoais, património, família, vai ser leccionada por técnicos dos projectos educativos a cargo dos serviços de educação da autarquia que estão já em curso e por associações ?especificamente orientadas? para estas áreas, garante Filomena Araújo, vereadora da Educação. Sobre os contratos com os professores, a vereadora é clara: ?São os que podemos fazer, de acordo com a legislação e acordos com a Associação de Municípios.? Cada professor recebe cerca de 12¤ por hora, em regime de prestação de serviços. O protocolo com o Conservatório implica um pagamento mediante o número de alunos inscritos. O mesmo sucede em relação às associações que darão os módulos que compõem a Educação para a Cidadania.
Sobre as dificuldades sentidas na implementação das AEC, a vereadora critica: ?As autarquias ao se assumirem como entidades promotoras já estão a fazer um esforço enorme para melhorar as instalações e equipamentos do parque escolar.? Por isso, Filomena Araújo defende que a contratação de professores deveria ser da responsabilidade do Ministério da Educação (ME). Além disso, esclarece a vereadora ?para qualquer uma destas actividades de enriquecimento curricular são precisos manuais e materiais, portanto, vai ser sempre necessário fazer algum investimento extra que os 230 euros estipulados pelo ME por aluno não vão poder comportar.? Acresce que ter uma turma de dez ou de vinte alunos não interfere no vencimento auferido pelo professor. ?O dinheiro é atribuído por aluno, mas a autarquia não vai pagar menos - ao professor ou ao monitor - só porque metade dos alunos não se inscreveram na actividade que ele lecciona?, conclui. 

Câmara Municipal da Guarda

Também no concelho da Guarda, a autarquia assumiu-se como entidade promotora das Actividade de Enriquecimento Curricular (AEC), em articulação com os agrupamentos de escolas. A oferta educativa inclui o ensino do Inglês, Actividade Física e Desportiva para todos os graus de ensino e Educação Musical para o 3º e 4º ano. No 1º e 2º ano, o ensino do Inglês foi substituído pelo da Expressão Plástica.
As AEC foram organizadas para abranger os cerca de 1778 alunos mas ?nem todos vão aderir?, prevê José Manuel Fernandes, assessor do pelouro da Educação, da Câmara Municipal da Guarda. As razões são diversas, adianta. Com as actividades a serem iniciadas a 16 de Outubro, muitos dos alunos já estavam inscritos em centros de actividades de tempos livres (ATL). ?Alguns pais também entenderam que era uma sobrecarga grande para os filhos permanecer na escola por mais duas horas, para além das cinco horas lectivas diárias?, aponta José Manuel Fernandes.
Por dificuldades no transporte dos alunos dos 3º e 4º ano das freguesias rurais têm dois blocos de 60 minutos semanais de inglês, os seus colegas da cidade têm três blocos de 45 minutos. A autarquia garante os transportes, em colaboração com as juntas de freguesia e algumas colectividades.
No que diz respeito aos salários pagos aos docentes, José Manuel Fernandes explica: ?A autarquia estipulou que a maior parte destes professores, estando nas escolas, estariam no 3º escalão a ganhar cerca de 1268 euros por mês. Fizemos uma proporção e estamos a pagar 15 euros por bloco de 60 minutos de aulas. Nos blocos de 45 minutos, que são os mais frequentes, cada professor recebe 11, 25 euros?. Por outras palavras, só os professores de Inglês que vão leccionar nas freguesias rurais recebem os 15 euros porque leccionam um bloco de 60 minutos. A actividade Física e Desportiva , a Música são leccionadas em dois blocos semanais de 45 minutos. Os horários oscilam entre os 10 e os 16 blocos semanais, por professor. ?São ainda atribuídos a cada professor mais dois blocos de 45 minutos por mês para permitir a sua participação em reuniões com o professor titular da turma ou o contacto com os pais?, refere o assessor.

Câmara Municipal do Porto

Uma das dificuldades com que a autarquia teve de lidar foi a reformulação de horários das actividades de enriquecimento curricular feitas pelas escolas no início do ano lectivo. A explicação é simples, diz Manuela Rezende, directora municipal da Educação e Juventude, da Câmara do Porto. ?O processo de candidatura em que cada escola foi convidada a definir o horário de realização das actividade foi realizado no final do ano lectivo. Entretanto, o corpo docente mudou e o horário que era razoável para os professores que estavam na escola nos finais de Julho deixou de ser para os que entraram em Setembro.? Maior estabilidade do corpo docente geraria menos confusão.
Sobre a contratação de professores Manuela Rezende afirma que ?todos estão habilitados para leccionar e cumprem integralmente os requisitos que o despacho da ministra da educação exigiu?. O salário dos professores ?é calculado de acordo com a tabela salarial correspondente ao que pagam no Ministério da Educação à hora: 13, 30 euros por hora?, garante a directora municipal. E dá um exemplo: ?Um professor que dê 3 tempos lectivos por semana vai receber 150 euros mês/turma?. No caso da Expressão Musical como não perfaz os três tempos lectivos (de 45 minutos) por semana, é feita uma proporção, ?garantindo sempre aquele valor custo hora (13, 30 euros)?. Um professor tem  em média 3 a 4 turmas. Confrontada com algumas queixas de que os professores estariam a cumprir ainda funções de ?auxiliares de educação?, Manuela Rezende descarta essa hipótese: ?O professor termina a aula e está acabado o seu trabalho, não lhes pagamos para tomar conta dos meninos.?


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 161
Ano 15, Novembro 2006

Autoria:

Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação

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