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Generais ou Condestáveis do Reino

Na defesa do projecto de carreira docente que o ministério da educação pretende impor, a sua principal responsável descobriu a metáfora como instrumento através do qual ilude eficazmente o debate de ideias, sério e rigoroso, que seria suposto sustentar as suas decisões. Basta-lhe  apregoar que no exército há praças e generais, para se ter que aceitar que, também, nas escolas terão que existir professores titulares e professores. A evidência é de tal ordem que o debate é absolutamente dispensável. Esqueceu-se, contudo, a professora Maria de Lurdes Rodrigues (MLR) que um dos principais problemas da linguagem metafórica são os seus limites para apreender o real, os quais neste caso têm a ver com o facto de querer iludir que, nas forças armadas, os generais e os almirantes têm um percurso e um tempo de formação absolutamente distinto dos seus subordinados, vinculando-se à instituição de forma distinta de um praça, de um cabo ou de um sargento. Nas escolas, pelo contrário, essa diferenciação crucial no modo de socialização profissional dos docentes não existe. Os professores distinguem-se entre si, por força da área em que leccionam, da relação contratual que mantêm com o Ministério da Educação, pelo modo como entendem e praticam a profissão ou pelo tipo de compromissos institucionais que estabelecem com as escolas onde intervêm. Isto significa, então, que há diferenças a estabelecer, mas que estamos longe de poder legitimar a criação de um sistema de castas.
Se é necessário que alguns professores tenham que assumir tarefas, por exemplo, no domínio da supervisão de professores mais jovens, na coordenação de projectos diversos ou na assessoria aos conselhos executivos, não é necessário, contudo, que se institucionalize a figura do professor-titular. O que é necessário é que esse trabalho seja reconhecido quer através de remunerações extraordinárias, quer através da gestão adequada da carga lectiva que esse professor deverá cumprir, enquanto estiver a assumir tais funções, sob pena de desperdiçarmos talentos e de respondermos através da criação de uma espécie de politeburos locais às necessidades do quotidiano. Não deixa de ser estranho, aliás, que esta proposta não seja aquela que o ministério defende, em primeiro lugar porque é uma solução aparentemente mais barata, em segundo lugar porque não concorre para estimular atitudes de acomodação por parte daqueles que se acedem a posições cimeiras nesta nova hierarquia escolar e, em terceiro lugar, porque é mais congruente com a metáfora da ministra. É que, como se sabe, a permanência num cargo de chefia de um dos três ramos das forças armadas não é eterna. Dito de outro modo, ser  Chefe de Estado-Maior do Exército não é a mesma coisa que ser um Condestável do Reino. Este é um cargo vitalício, o outro é um cargo que se sujeita a rotações cíclicas, necessárias para revitalizar as instituições, de forma a que estas não adormeçam numa espécie de marasmo que os cargos deste género, muitas vezes, tendem a estimular.
Não está em causa, por isso, diferenciar os professores entre si, face à natureza dos cargos que ocupam, às exigências dos mesmos e ao modo como estes os desempenham, o que está em causa é esse projecto de hierarquização burocrática que está na origem de muitos dos problemas institucionais que se vivem no interior de algumas faculdades e escolas do Ensino Superior Politécnico, onde o sistema de castas profissionais se encontra em vigor sem que se vislumbrem os resultados que, neste país de «Prós e Prós», tantos apregoam como uma espécie de Eldorado, para onde urge caminhar. Um Eldorado que é como a linha do horizonte, aquela que está ali, sempre à mão de semear, mas que, de facto, nunca se alcança.
Como todos sabemos não é em nome de uma mítica eficácia perdida que se justifica a proposta de carreira do Ministério da Educação, mas do facto de termos muitos milhares de professores à porta do 8º escalão, aos quais MLR tem que fechar a porta para que o seu ministério seja o mais papista de todos, no que à involução da despesa diz respeito. Este é o propósito supremo que anima a ministra, o resto é conversa. E é pena que assim seja, porque o tempo esgota-se sem que nada se faça de substancialmente credível para estimular os professores a encontrar outros rumos para as suas vidas profissionais e a estabelecer outros compromissos culturais e educativos com os seus pares, com os seus alunos e com as respectivas comunidades educativas, de forma a que se possam reconhecer e que possam ser reconhecidos pelo trabalho que realizam. Por isso, é que este é um tempo de luta e, esperamos, de reflexão; a mesma reflexão que nos obrigue a compreender que temos alguma coisa a ver com o assunto e que não é a assumir o papel de putativas vítimas das crianças e dos jovens, dos pais ou dos conselhos executivos que nos afirmamos no seio da sociedade em que vivemos.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 161
Ano 15, Novembro 2006

Autoria:

Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto
Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto

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