A Política é, entre muitas outras definições possíveis, o lugar e o tempo individual, social e relacional de afirmação, reflexão e confronto de valores e visões do mundo (amplos, plurais e, frequentemente, contraditórios) que, ao ser traduzida em acções e práticas concretas, dá sentido (político) às políticas, isto é, justifica e fundamenta os instrumentos de governação, de mudança e de transformação, em sentido amplo, nos mais diversos contextos e domínios da vida social. A Política ? da qual deveriam partir, e a todo o momento regressar, os seres políticos, isto é, todos nós homens e mulheres que, de forma conscientizada ou não, temos uma natureza política ? parece estar, cada vez mais, a ser distanciada da acção humana concreta, sendo mesmo difícil de identificar na própria acção de alguns grupos e ?políticos profissionais?. Como estes ?políticos profissionais? estão, em muitos casos, eles próprios afastados dos cidadãos comuns (que deles desconfiam, tantas vezes com razão, pelos ?maus exemplos? que dão), e como os próprios discursos que aqueles ?políticos profissionais? produzem são, não raras vezes, discursos anti-políticos, isto é, discursos tecnocráticos, auto-justificados exclusivamente por razões instrumentais ou, mesmo, científicas ou técnicas, e desenraizados de qualquer visão (do mundo) Política, o que tende a ocorrer é a desvalorização social e cultural da Política. Como esquecemos a nossa natureza política, ou a nossa intrínseca politicidade (na expressão de Paulo Freire), e não assumimos que somos, cada um de nós, mesmo individualmente, construtores e intérpretes legítimos da Política; como tendemos ainda a esquecer que há na sociedade muitas outras instâncias de construção e interpretação da Política (associações, escolas, hospitais, empresas, movimentos sociais?) e como, simultânea e paradoxalmente, se naturalizou a ideia de que os ?políticos profissionais?, os ?partidos políticos? e os próprios ?governantes? são (ou conseguem convencer-se e convencer os outros cidadãos que são) os verdadeiros e únicos construtores e intérpretes legítimos da Política, o que ocorre é a confusão e a sobreposição entre a Política e a acção dos ?políticos profissionais?. Quando a interpretação legítima da Política e a construção das políticas parecem constituir-se como monopólios na mão de certos ?políticos profissionais? e de certos governos tecnocráticos, todas as outras interpretações (legítimas) são desvalorizadas ou tendem a não ser reconhecidas, assim despolitizando ainda mais as políticas concretas que, deste modo, se constituem e procuram justificar (tecnocraticamente) como a única e melhor solução (one best way) para governar e, desejavelmente, nesta perspectiva, para pensar e agir no mundo e na vida. A despolitização das políticas não significa, todavia, que as tecnocracias dominantes (e, portanto, as orientações e decisões instrumentais e gestionárias) não estejam também assentes em certos valores, ou não sejam apregoadas, em si mesmas, como (novos) valores. Mais precisamente, a despolitização das políticas significa essencialmente que são os meios que justificam os fins; que ser de direita ou de esquerda é indiferente aos cidadãos porque, supostamente, os valores que estas perspectivas políticas apregoam já não as distinguem na acção concreta, nem têm (ou tiveram) qualquer identidade ou historicidade próprias; e que o confronto de valores e visões do mundo já não conta ou já não é necessário (ou conta cada vez menos) para a decisão política, mesmo quando esta decisão parte de governos democraticamente eleitos. O que está neste momento a ocorrer no que diz respeito às políticas deste Governo, sustentado maioritariamente pelo Partido Socialista, revela, de forma inequívoca, a desvalorização da Política e a consequente despolitização das políticas. As sucessivas versões propostas para um outro Estatuto da Carreira Docente são, entre muitos outros, um exemplo paradigmático da decisão tecnocrática e autoritária em torno de uma política concreta onde os governantes parecem desconhecer ou ignorar totalmente os percursos históricos (alguns muito importantes e mais recentes) de construção da profissão docente, desprezando, com arrogância anti-democrática mal disfarçada, as lutas e conquistas sociais, sindicais e profissionais que foram, frequentemente, assentes em processos de diálogo e concertação democraticamente institucionalizados ? assim procurando desmantelar direitos e alterar projectos e expectativas, sem, todavia, serem capazes de os substituir por alternativas credíveis e sustentadas (ainda que exigentes), que pudessem ajudar efectivamente a enfrentar e solucionar os dilemas (alguns antigos, outros mais recentes) do sistema escolar, impulsionando a remobilização dos professores e da sociedade para os desafios educativos contemporâneos. Como esta estratégia não está a ser seguida, este exemplo de despolitização de uma política aumentará ainda mais a vulnerabilidade, a incerteza, e a angústia pessoal, familiar e profissional de alguns milhares de professores, a começar por aqueles que sempre se empenharam profundamente na educação. Sem prejuízo de se repensarem seriamente os níveis de exigência, os recursos e as condições do exercício profissional, um outro Estatuto da Carreira Docente, que consagre as actuais propostas governamentais, impossibilitará ainda mais, ao contrário do que se diz pretender, uma Escola pública com qualidade científica, pedagógica e democrática.
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