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Vozes sem palavras, como o acto

Jane O?Leary celebrou o 60º aniversário com um concerto na National Gallery, em pleno centro de Dublin, no passado dia 12 de Outubro. A entrada foi livre, como livre é a entrada na própria National Gallery. O concerto incluiu quatro peças para guitarra, escritas em 1993 pela própria Jane O?Leary para a guitarra de John Feeley; ?Something there?, uma peça em quarto andamentos para clarinete, violino, violoncelo e acordeão, escrita pela autora sobre um poema de Samuel Beckett; ?Why the hill sings?, dois andamentos para viola e piano; e ?Mystic Play of Shadows?, composição para dois violinos, uma viola e um violoncelo, cujo título é retirado de uma obra de Walt Whitman ? ?Out of the Cradle Endlessly Rocking?
?? Up from the mystic play of shadows twining and twisting as if they were alive, // Out from the patches of briers and blackberries, // From the memories of the bird that chanted to me,??
Tudo isto além de uma estreia, Soundshapes, a peça da abertura escrita pela homenageada para a voz da soprano Tine Verbeke, para a flauta de Madeleine Staunton, para o clarinete de Fintan Sutton e para o violino de Elaine Clark. Com o declarado (e conseguido) objectivo de criar sons raros e diferentes, muito pela inclusão da voz, sem palavras, num registo de sons equiparado a um instrumento. Nesse fim de tarde de Outubro, em Dublin, a soprano Tine Verbeke transportou-me de regresso ao Porto e a um espectáculo que, há 20 anos, Meredith Monk apresentou no Rivoli. Uma noite que terminou numa casa de fados, ali para os lados da Sé, numa tertúlia onde o António Augusto Barros, apesar de meu amigo (e apesar do meu inglês de doca), quis que eu reforçasse a inexistente equipa de intérpretes para que a cantora americana e a fadista de serviço se entendessem.
E não é que ficaram amigas? Pelo menos enquanto durou aquele fim-de-festa na casa de fados que a própria Meredith Monk desejou conhecer. Lembro-me que trocaram prendas ? um brinco por um anel. Quem mais se lembrará dessa noite? Provavelmente mais ninguém.
E no entanto ela ficou, adormecida na minha memória, 20 anos, para acordar em Dublin ao ouvir sons escritos pela sexagenária Jane O?Leary para a soprano Tine Verbeke. Julgo que isto são efeitos da poesia de Samuel Beckett. ?Comment dire??

Dublin, sexta-feira,13 Outubro de 2006


  
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Edição:

N.º 161
Ano 15, Novembro 2006

Autoria:

Júlio Roldão
Jornalista do Jornal de Notícias
Júlio Roldão
Jornalista do Jornal de Notícias

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