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?Pero que las hay, las hay!

O momento de luta que os professores vivem implica profundas reflexões por parte de todos os profissionais, sócios ou não de um sindicato.
As medidas propostas pelo Ministério da Educação causaram de imediato grandes perturbações junto dos dirigentes sindicais e logo de seguida nos docentes, em geral; as decisões aventadas são badaladas nas escolas como as maiores ofensivas aos professores desde o tempo de Salazar.
É estranho ver a aliança entre todos as organizações sindicais ? que tantas vezes tiveram posições opostas em relação a questões essenciais; das duas uma: ou as propostas do ME são incontornáveis e tão más que conduzem a inevitáveis posições de ruptura por quem quer que se autodenomine defensor dos direitos da classe (é um facto que um grande número de professores e de dirigentes sindicais foi apregoando o abandono do seu cartão de membro do partido do governo?), ou há um espírito corporativista e inflexível entre os docentes que tem dificuldades em aceitar e gerir qualquer mudança.
Por parte dos professores, embora possa haver representações sociais de classe que não favoreçam a mudança, há algumas situações a relevar: veja-se, por exemplo, o quanto protestaram, no ano anterior, contra a obrigatoriedade de permanecerem vinte e seis horas por semana na escola (alguns só lá estavam doze) e como hoje já interiorizaram essa situação; podem não esquecer e não votar no partido do governo, mas já gerem a sua vida na escola da melhor maneira, de acordo com o estipulado. A acomodação e a falta de unidade são fáceis e negativas e tornam difícil a mobilização por parte dos sindicatos.
Será que os professores estão assim tão atentos ao que se passa? Será que querem todos o mesmo? Que espírito crítico exercem em relação às medidas ministeriais? O que é que consideram certo? Será que estão assim contra tudo, como se afirma levianamente na imprensa? (1)
Se muitas sugestões do ME podem ser aceitáveis, em termos de gestão administrativa e pedagógica dos agrupamentos escolares, não parece correcto que a Ministra da Educação avance com medidas tão profundas sem proporcionar e garantir que as mesmas sejam condignamente discutidas: é à tutela que cabe a responsabilidade da dinamização dessa análise, junto dos conselhos pedagógicos. As interrogações amontoam-se. Voltar ao exame nacional, para quê? Não sabemos há quase um século que são provas inusitadas, obras do acaso, que não atestam nada? Período probatório, sim; e basta. Quem vai ser responsável pela avaliação dos docentes, com transparência? Que vigilância por parte do poder central em relação a situações de caciquismo que possam surgir? Um professor titular vai ser  a dignificação dos que trabalham realmente, ou uma forma neo-taylorista para poupar dinheiro? Que peso vão ter as avaliações dos resultados escolares dos alunos em meios degradados e em meios de classes sociais média e alta? Alguém faz a classificação dos contextos ou trata-se somente de impedir a chegada de dois terços dos professores aos últimos escalões? Como falta o professor por conta do período de férias em situação de última hora? Para que serve um plano de aula para outro professor da mesma disciplina que sabe bem trabalhar com uma turma? E será que o ritmo das turmas é assim tão certinho? Perguntas sem resposta.
E no entanto, a maior parte dos professores sempre esteve na escola, com responsabilidade, a trabalhar muitas vezes em condições inacreditáveis. E aceita, na realidade, muitas das mudanças propostas para o funcionamento dos estabelecimentos no sentido de se poder proporcionar o sucesso escolar, nomeadamente àqueles que têm ainda tanta dificuldade em chegar aos níveis culturais estandardizados. Ainda ninguém falou como vai ser reconhecido o trabalho aos professores que, em vinte anos de carreira, já fizeram pelo ensino em Portugal mais do que outros que já completaram 30, e mais do que outros que tendo agora somente 10, poderão ainda vir a fazer. São balanças com muitos pratos que é necessário calibrar com muita sabedoria. E os sábios também são feitos de tempo.
É pelos alunos este 5 de Outubro nas ruas de Lisboa! Pela dignificação da Escola Pública e do  País que somos!
(Que está tudo tão confuso que só pode andar aí coisa de bruxas. Como dizia o outro: Yo no creo, pero?)

1) Veja-se, a este propósito, a pequena notícia da página 92 do número 1 do semanário ?Sol?, de 16 de Setembro, onde se diz que? Enquanto a ministra fala de << tranquilidade >>, os professores fizeram ontem um << dia de luto >> contra as medidas do Governo. (?)?; para se acrescentar no parágrafo seguinte ?Já os pais elogiam a escola a tempo inteiro, o Inglês no 1º ciclo e os manuais por seis anos?. Este ?Já? vem, enquanto modificador, sugerir uma disjunção: os pais gostam de uma coisa que os professores não querem. O que não corresponde à verdade, mas tem vindo a ser sugerido permanentemente pelo Ministério e pelos media; na página 28, cita-se uma não explicitada fonte oficial do gabinete da ministra, a propósito de um novo regime de faltas com implicações para a carreira, segundo a qual ?o objectivo é que << exista uma maior responsabilização dos docentes(?) >>?; ou seja, é fácil inferir que os professores são pouco responsáveis.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 160
Ano 15, Outubro 2006

Autoria:

Rafael Tormenta
Professor do Ensino Secundário
Rafael Tormenta
Professor do Ensino Secundário

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