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Descobrir poesia num . de fuga

No possível silêncio da segunda sessão de uma noite de domingo, num segundo andar alto da Rua de Trás, aos Clérigos, onde a má língua das boas vizinhas chegava já quase em surdina, surpreendo-me a reler uma notícia, que apenas me pareceu estranha ou mal contada, quando um outro leitor, mais sensível, fez dela ponto de partida para um . de fuga trabalhado com a voz e o corpo
A notícia era a do piano-man, ?um homem desfeito que em vez de pedir pão e água fazia desenhos e tocava piano? . Quem assim a relê é Dinis Machado, o criador e intérprete deste . de fuga, coreografia com texto do próprio Dinis Machado  citando Peter Handke, Chico Buarque, Pallotino, Stewart e Jocobina Sigurdardottir, segundo o próprio programa do espectáculo.
Para Dinis Machado a notícia do piano-man parecia uma história. Uma boa notícia é sempre uma boa história. Uma história que nos prende toda a atenção, como aconteceu com a história do homem que apenas tocava piano, História que eu também devorei, quando ela foi publicada, mas sem a ver como Dinis Machado que dela fez ponto de partida.
?Olho-me // Olho-me e vejo-me // E tento perceber porquê // Porque assim? // Porque não de outra forma ? // Porque não de outro modo? // Porquê isto ? // Porquê eu? // Porque não outra coisa? // Outro eu ? // Porque escolhi isto de entre infinitas possibilidades ? // Porque não outro eu? // Não poderia ser melhor ? // Haverá melhor? // Ou serão todas as hipóteses // Igualmente nulas ? // Igualmente inúteis? //  Igualmente patéticas  ? //
Por ser uma criação inequivocamente artística, esta coreografia de Dinis Machado transporta o espectador ? mesmo aquele que não tivesse qualquer educação para a dança ? para o patamar das memórias e dos locais já esquecidos, numa inesperada inquietação que é, ao mesmo tempo, uma serenidade.
?Casa é o sítio que habito // Casa são os lugares onde passo diariamente longas horas // Casa é o meu quarto, os meus cantos. // Casa são as casas dos meus amigos.//(...)?
Disse Dinis Machado, durante três noites de Setembro, num segundo andar alto da Rua de Trás, aos Clérigos, num espectáculo surpreendemente poético deste actor que, apesar de ainda teenager (por ter nascido no Porto em 1987) já tem a sensibilidade de agradecer a ?todos os que ao assistirem a este trabalho o fazem acontecer.?

Não, nós é que lha agradecemos.


  
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Edição:

N.º 160
Ano 15, Outubro 2006

Autoria:

João Rita
Jornalista, Porto
João Rita
Jornalista, Porto

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