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Escola portuguesa e democracia: A sala de aula em debate

Todas as reivindicações que fazem parte da agenda daqueles que afirmam pertencer ao campo educativo democrático de pouco ou nada servem se não contribuírem para que os alunos e as alunas deste país possam beneficiar das oportunidades educativas que as suas escolas lhes proporcionam.

Nunca defendemos que o debate em torno da Escola pudesse ser circunscrito à sala de aula. O que defendemos é que é neste contexto educativo específico que, em última análise, tudo se joga e, de algum modo, se revelam os sentidos das políticas educativas, os seus equívocos, as suas dificuldades, as suas potencialidades ou, dito de forma mais ampla, as suas zonas de luz e sombra. É, por isso, que na reflexão sobre a Escola portuguesa e a democracia, a sala de aula não poderá deixar de ser um objecto prioritário dessa reflexão, já que todas as reivindicações que fazem parte da agenda daqueles que afirmam pertencer ao campo educativo democrático de pouco ou nada servem se não contribuírem para que os alunos e as alunas deste país possam beneficiar das oportunidades educativas que as suas escolas lhes proporcionam.
É, assim, partindo deste pressuposto que importa discutir se, efectivamente, estamos perante oportunidades educativas que contribuem para a apropriação de instrumentos de reflexão e de acção sobre o mundo, alargando a possibilidade de aí intervir e de o ler, para além das evidências que o circunscrevem a uma visão simplista do mesmo, ou se estamos perante momentos que obliteram a inteligência e o humano, em nome de um conjunto de ideias feitas que tende a fazer passar por útil aquilo que, na maior parte das vezes, não tem qualquer tipo de utilidade cultural seja para aqueles que continuam a beneficiar da Escola seja para quem não colhe quaisquer usufrutos da sua permanência neste contexto educativo. Por isso, é que o problema do insucesso e do abandono escolar não pode ser abordado como um problema que se circunscreve ao universo das crianças e dos jovens provenientes dos meios sociais desfavorecidos. O problema é, hoje, bem mais amplo, já que embora se desvende através dos resultados escolares destes últimos, não deixa de afectar, a seu modo, todos os que percorrem os espaços escolares. Os ditos bons alunos não beneficiam tanto quanto se supõe que beneficiem da educação escolar, enquanto, igualmente, os seus professores são vítimas de uma situação para a qual contribuem, em larga medida, por inacção pedagógica.
Não queremos afirmar com tal argumento que os professores têm possibilidades de, só por si, salvaguardarem as respectivas escolas dos prejuízos de políticas educativas que se caracterizam mais pela afirmação de propósitos e de princípios generosos do que propriamente pela assunção de decisões coerentes com esses mesmos propósitos e com esses mesmos princípios. O que defendemos é que os professores têm que assumir uma outra postura profissional, sustentáculo de reivindicações que entendam o mal-estar, com que hoje tendem a viver a profissão, como algo para o qual também contribuem quando vão permitindo, por um lado, que outros pensem por si as decisões que têm que assumir nas respectivas salas de aula, sem interpelar o sentido destas decisões e a sua pertinência, enquanto operação que pode contribuir para que o seu trabalho possa ter significados culturalmente mais gratificantes e, por outro lado, quando respondem a esse mal-estar a partir de corporativismos fechados ou de atitudes pedagogicamente segregacionistas.
Desengane-se, contudo, a senhora ministra da Educação face ao discurso que aqui exprimimos, já que este nada tem a ver com aquele que a Professora Maria de Lurdes Rodrigues tem andado a divulgar. É que sabendo como a possibilidade de intervir em salas de aula a partir de uma racionalidade democrática é algo a que um número de professores resiste, e de forma denodada, também sabemos que não é arrastando o seu nome pela lama que essa resistência será superada. É que a resistência destes professores não poderá ser entendida como um acto anómalo que uma acção política musculada e voluntarista faria implodir. A resistência dos professores é a expressão de um modo consolidado de entender a Escola que, hoje, já não admite ilusões quer acerca das implicações das medidas de carácter remediativo quer acerca das medidas que se invocam em nome de quaisquer reivindicações de generosidade social. A problemática da construção de práticas educativas sujeitas a uma racionalidade democrática não é algo que se decreta nem, tão pouco, é algo que se deseje tanto como se apregoa, nomeadamente, e também, por parte daqueles que, hoje, detém o poder político quer no Ministério da Educação quer fora dele.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 159
Ano 15, Agosto/Setembro 2006

Autoria:

Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto
Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto

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