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As angustias de um educador?

Vivemos numa sociedade completamente invadida pela publicidade e pelo seu impacto. Os pais tornam-se acríticos perante tamanho poder televisivo e comercial e rendem-se a esses apelos. Querem viver num pretenso ?modernismo?, mostrar-se actualizados e na moda. Esquecem-se que estão a promover a sua própria escravidão. Uma dupla escravidão, ao consumismo desenfreado e aos filhos enquanto consumidores em formação e sem restrições. Relegam o papel educativo enquanto pais e a sua acção como tal e, o pior, esperam que a escola responda e valorize esses consumismos difundidos, qual conteúdo programático.
Os valores? Mas, que valores?...Os tais da Paz, respeito, cooperação, aceitação das diferenças, justiça?o tão falado amor?Sem duvida todos acenam positivamente a cabeça a tais preocupações mas, não passa de folclore. Tudo é vazio de significado profundo. Os valores não passam de palavras bonitas e estereotipadas, palavras de ocasião?
A escola não tem que viver em ruptura com a sociedade consumista mas, não pode conviver pacífica e passivamente com o que é contraditório á sua acção e aos seus objectivos. A escola enquanto primeiro espaço de vida em grupo, numa perspectiva, também, inclusiva e multicultural vai ser palco de confronto de opiniões, resolução de conflitos, consciência de perspectivas e valores diferentes que fomentarão atitudes de respeito pela diferença. Deve com coerência desenvolver educação. E, como diz Nietzsche, a ?primeira tarefa da educação é ensinar a ver? e Rubem Alves sublinha essa necessidade face ao facto ?de gastarmos horas na contemplação das imagens banais e grosseiras da televisão e de não gastarmos nenhum tempo comparável na contemplação dos assombros da natureza..? O que ? é uma indicação do ponto a que a nossa cegueira chegou?. Uma cegueira completa ao belo e ao outro?na sua individualidade.
Mas mais angustiante é quando procuramos estimular o olhar dos pais e deparamo-nos com uma cegueira militante. A isso chamo insensatez cristalizada que se traduz em comemorações de dias comerciais estabelecidos, tais como os dias do pai e da mãe como se fossem algo de uma simultânea e fútil importância vital. Dias que pretendem ver comemorados na escola, de forma homogénea, por TODAS as crianças, independentemente da composição da família ou grupo doméstico a que pertencem. E, para quê? Porquê? Não interessam as razões! É bonito ver a criançada levar um presente feito ?em série?, mesmo que seja para um pai que não têm, mesmo que a criança more num Internato ou com os avós. Essas, crê-se que são uma pequena minoria ?paciência!
O Dia Internacional da Família (declarado desde 1994 para 15 de Maio), não é publicitado na TV, logo não está na moda, embora seja algo a que todos pertencem. A família pode adoptar várias formas, pois não existe um conceito único nem um consenso quanto á sua definição. Independentemente da cultura é, nela que as pessoas e em especial as crianças, recebem o afecto e o apoio físico e financeiro para sobreviverem.
Face a este panorama, como esperar que pais assim tão irreflectidos se preocupem com a Formação pessoal e social dos seus filhos., que a educação pré-escolar pretende iniciar? Eles até sabem os desenhos animados mais actuais e cantar as músicas da telenovela ?Morangos com Açúcar?, mas o que não sabem é que a educação pré-escolar pretende iniciar um processo de desenvolvimento da criança com atitudes e valores que lhe permitam tornar-se um cidadão consciente, solidário, autónomo, livre e inserido em sociedade.
Sendo o Jardim de Infância um contexto de interacção por excelência, com adultos e crianças, é dessa interacção de valores e perspectivas que a criança toma consciência de si e do outro. O outro nem sempre é como nós! Por isso os valores não estão presos às palavras, não se ensinam papagueando, vivem-se na inter-relação quotidiana, na procura de um bem colectivo e não de egoísmos pessoais.
?Ver não é o bastante. O assombro das coisas vistas provoca o pensamento?? E a educação é também ensinar a pensar no que isso significa de questionamento e de sensibilidade.


  
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Edição:

N.º 157
Ano 15, Junho 2006

Autoria:

Raquel Alves
Educadora de Infância, Porto. Licenciada em Ciências da Educação
Raquel Alves
Educadora de Infância, Porto. Licenciada em Ciências da Educação

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