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Os desatinos de Bolonha

O desinvestimento público está bem marcado no Programa Português de Estabilidade e Crescimento e tem vindo a ser escrupulosamente cumprido pelos Governos do PSD/CDS e PS, resignados ? e até aliviados! ? com a quebra demográfica que, acrescendo à intensa selectividade do Ensino Superior em Portugal, se traduz na perda de alunos, no aumento das desigualdades, no adiamento da Universidade de Massas...

 Do processo de Bolonha há muito que denunciáramos a existência do que Alberto Amaral chama uma «agenda oculta», isto é, a dissimulada intenção de, a coberto de alguns propósitos aparentemente positivos (acréscimo da mobilidade e do reconhecimento dos diplomas no espaço europeu; estímulo à transversalidade e à interdisciplinaridade na organização dos curricula, tantas vezes desactualizados e marcados por concepções paroquiais do saber; centramento no aluno, inovando nas práticas pedagógicas ? liquidando a ancilosada aula magistral ? e na promoção da autonomia e da pesquisa), desqualificar o Ensino Superior em Portugal.
De facto, o desinvestimento público está bem marcado no Programa Português de Estabilidade e Crescimento e tem vindo a ser escrupulosamente cumprido pelos Governos do PSD/CDS e PS, resignados ? e até aliviados! ? com a quebra demográfica que, acrescendo à intensa selectividade do Ensino Superior em Portugal, se traduz na perda de alunos, no aumento das desigualdades, no adiamento da Universidade de Massas e, é claro,  na redução dos financiamentos às instituições, devido a uma fórmula «cega» que em muito depende do volume de estudantes, com tradução quase imediata na lista crescente de docentes a despedir.
Ora, o processo de estruturação e implantação tem-se revelado, além do mais, profundamente caótico. Há que dizê-lo com todas as letras: o Ministério mostrou toda a sua incompetência, sendo incapaz, inclusivamente, de colocar no terreno um anunciado grupo de animação/coordenação liderado por Pedro Lourtie que, pasme-se, nunca chegou a ser empossado.
Um pouco por todo o lado multiplicam-se os ataques de nervos: a burocracia é medonha e o raciocínio utilitarista tem imperado. Os professores tornam-se máquinas de calcular ECTS, inventando, por vezes, cursos e formações de mirabolante pertinência científica e pedagógica (a única que se descortina é a da manutenção do ratio - lei da sobrevivência!...), já para não falar da célebre «empregabilidade» revelando, ao mesmo tempo, uma economia de reflexão sobre os propósitos explícitos e implícitos de Bolonha que surge como extremamente funcional para o Ministério que, assim, entretém o corpo docente fazendo, ainda, a cínica apologia da autonomia das unidades de ensino ? autonomia do odioso, cada vez mais centrada nos critérios para despedir os «excedentários».
É pois, a meu ver, intencional, esta demissão do Governo. E estranha, triste e revoltante a passividade geral, de alunos e professores. A autonomia ? a autonomia que verdadeiramente conta ? é, cada vez mais, um lugar vazio. Dela abdicamos todos os dias ? pelo silêncio, pela resignação, pela redução dos dias a um minucioso ritual autofágico.
Bolonha? Está aí a chegar. Sente-se e sirva-se.


  
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Edição:

N.º 157
Ano 15, Junho 2006

Autoria:

João Teixeira Lopes
Deputado do Bloco de Esquerda; Sociólogo. Univ. do Porto.
João Teixeira Lopes
Deputado do Bloco de Esquerda; Sociólogo. Univ. do Porto.

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