As perspectivas que se esboçam e as transições que se advinham sobre o futuro da profissão docente não são nada animadoras. Tendo em conta sobretudo os caminhos percorridos e as conquistas efectuadas nas três últimas décadas, estamos hoje perante uma situação que poderia ser caracterizada do seguinte modo: os professores portugueses ainda não conseguiram consolidar muitas das dimensões fundamentais do profissionalismo moderno ? que designo, provisoriamente, de profissionalismo da modernidade industrial fordista ou ?velho profissionalismo? ? e, no entanto, já estão a sentir a desvalorização (e o desmantelamento dos alicerces) de algumas dessas dimensões, abrindo as portas para o que alguns, não raras vezes, de forma ambivalente, começam a designar de ?novo profissionalismo?. A concepção moderna de profissionalismo ? recriada, defendida e disseminada entre nós por alguns autores de referência das ciências da educação, nomeadamente em trabalhos que tiveram maior visibilidade no período de forte mobilização em torno da (pretendida) reforma educativa global de meados da década de oitenta ?, assentava em alguns pressupostos básicos como, por exemplo, o de que para ser professor era necessário: i) percorrer com sucesso uma escolaridade relativamente longa, de nível superior (equivalente, no mínimo, ao grau de licenciatura); ii) adquirir e desenvolver um ?saber profissional complexo?; iii) ter acesso a uma carreira definida e avaliada; iv) poder frequentar sem constrangimentos acções e cursos de formação contínua; v) valorizar a adesão a associações profissionais (não apenas sindicatos e não necessariamente ordens); vi) defender a criação colectiva de um código de ética profissional; vii) interiorizar e desenvolver uma cultura profissional específica; viii) partilhar os processos colectivos de construção de uma identidade profissional; ix) estar preparado para assumir, interpretar e exercer a profissão com margens substantivas de ?autonomia relativa?, com a correspondente disponibilidade para a prestação do contas e a responsabilização (accountability). Quando reconhecidas as suas raízes funcionalistas e criticada a sua estrutural a-historicidade, esta concepção de ?velho profissionalismo? foi capaz, apesar de tudo, de dar sentido a estratégias (sobretudo sindicais) bem sucedidas, como as que levaram à consagração legal de um estatuto de carreira, de um modelo de avaliação e de formação contínua e, mais recentemente, da licenciatura como condição mínima de acesso ao exercício da docência em todos os níveis de ensino, ao mesmo tempo que foi capaz de induzir perspectivas de complexificação do saber profissional e propiciar discussões produtivas sobre as especificidades da profissão docente face a outras profissões. São, aliás, as especificidades próprias da docência que devem ser conhecidas por todos os professores e ser objecto de uma maior densidade analítica, impedindo que se disseminem acriticamente lógicas de importação e reprodução miméticas a partir de outras profissões ? contrariando assim o que pretendem alguns sectores neocorporativos emergentes ao defender, por exemplo, a criação de uma ?ordem dos professores? como solução (mágica) para a erosão dos mecanismos de afirmação da profissão. Se é verdade que muitas das dimensões profissionais tiveram, apesar de tudo, uma centralidade indiscutível na elaboração de políticas públicas para a docência e alimentaram a expansão da investigação educacional, sobretudo, neste caso, aquela referenciada ao campo das ciências da educação e da formação, também é verdade que muitas outras, apesar de discutidas, não chegaram a ter qualquer tradução efectiva ? refiro-me, por exemplo, à problemática do código de ética (estrito senso) e às questões da cultura e da identidade profissionais, deixando para último a referência à autonomia profissional que é, certamente, a dimensão mais importante para se poder falar da docência como profissão. É justamente a questão da autonomia profissional que tem sido um dos alvos principais do cerceamento crescente que pesa sobre os professores e as escolas. A obsessão avaliativa indutora de novas formas de controlo, bem como, entre muitos outros factores, a erosão da missão tradicional da escola pública como lugar do bem comum, criam algumas das condições propícias ao anúncio de um ?novo profissionalismo? que parece ser, em algumas concepções pelo menos, a expressão alternativa mais eficaz ao suposto anacronismo das velhas categorias e dimensões profissionais da modernidade. O paradoxo, todavia, é que este ?novo profissionalismo? parece ser novo apenas no que tem de pretensão para aumentar a eficácia e a eficiência da docência na lógica da produção de resultados (e na simultânea actualização e accionamento dos mecanismos de violência simbólica), mas é velho no que significa de retorno a condições cada vez mais difíceis de exercício profissional em muitas escolas, de acentuação da subordinação hierárquica e autoritária dos professores, de descomplexificação da formação que lhes é devida como trabalhadores intelectuais (veja-se a este propósito a recente proposta do ministério da educação para as ?habilitações profissionais para a docência). Não serão, todavia, estas propostas que possibilitarão a urgente renovação e (re)invenção de concepções de profissão, sobretudo quando pretendemos que elas dêem conta dos desafios actuais que confrontam a Educação e a actividade dos professores.
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