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O Economicismo no Desporto

Este sentimento de amor a um Clube findou. Os contratos milionários com as grandes marcas de material desportivo, os empresários, os publicitários, etc. empurram os campeões a outro tipo de contratos e, portanto, a manterem vínculos, cada vez mais frágeis, com os clubes

Tanto o Benfica como o Sporting, decidiram contratar atletas de verdadeira categoria internacional, para participarem numa única prova de atletismo, por época. Francis Obikwelui é o exemplo mais flagrante: o nigeriano, que se naturalizou português, representará o Sporting, uma só vez, em 2006, na Taça dos Clubes Campeões Europeus (27 e 28 de Maio, em Valência). Outro tanto sucederá com o ucraniano Yuriy Bilonog, medalha de ouro no lançamento de peso, nos Jogos Olímpicos de Atenas, e com a letã Ielena Prokopcka, maratonista de méritos excepcionais.
Neste tempo em que o dinheiro tudo compra, os atletas deixaram de sentir o símbolo do clube que representam e esperam, acima do mais, o cheque da sua prestação desportiva de um dia só. Relembro o futebolista do Belenenses, Perfeito Rodrigues, extremo direito que jogou nas décadas de 30 e 40, que me dizia: ?Eu era incapaz de jogar noutro Clube. E sabe porquê? Não sentia a camisola. Representando o Belenenses, eu sentia a camisola e dava tudo pelo Clube do meu coração?. Este sentimento de amor a um Clube findou. Os contratos milionários com as grandes marcas de material desportivo, os empresários, os publicitários, etc. empurram os campeões a outro tipo de contratos e, portanto, a manterem vínculos, cada vez mais frágeis, com os clubes. ?Moniz  Pereira, vice-presidente dos leões com o pelouro das actividades, percebeu, há muito, que, para representar uma equipa forte na Europa de Clubes, teria de ceder alguma coisa nos seus princípios de apresentar uma equipa totalmente portuguesa. Assim, para competir com o Fiame Gialle, campeão da Europa masculino, ou as russas do Lutch, campeãs em femininos, ou os gregos Panuellionios, ou as espanholas do Valência Terra i Mar teve de contratar algumas atletas de nível internacional? (Diário de Notícias, 2006/1/30).
É evidente que os magros orçamentos dos nossos clubes não permitem a contratação de uma ?legião estrangeira?. Mas as vitórias de Obikwelu, o segundo lugar  de Yuriy Bilonog e de Ielena Prokopcuka foram e serão bem-vindos, já que representarão o Sporting Clube de Portugal, nos Europeus. O Sport Lisboa e Benfica, que esta época quer rivalizar com o Sporting, contratou um conjunto de atletas de indiscutível classe, no Leste da Europa. Tudo isto significa que os melhores atletas  deixaram de representar clubes, para passarem a ser as imagens espectaculares de algum material desportivo, como a Adidas, Nike, Misuno ou Asics. Ainda no passado dia 29 de Janeiro, a sportinguista letã Ielena Prokopcuka venceu o Crosse Internacional das Amendoeiras, no Algarve, com a camisola azul da Nike. Exceptuando os Europeus, os Mundiais e os Jogos Olímpicos, os campeões trocaram as cores dos clubes ?do seu coração?, para representarem as grandes multinacionais de material desportivo. É este o tempo em que vivemos: os valores desaparecem, na sociedade de mercado. Só o lucro e o dinheiro contam. Os atletas portugueses também já aderiram a esta lógica de mercado. Relembremos que Hélder Ornelas, atleta do Maratona Clube, venceu a Maratona de Milão, com a camisola da marca japonesas Misuno. O mesmo sucedeu com António Pinto que ganhou algumas Maratonas de Londres, com a camisola da Adidas. Por seu lado, Francis Obikwelu e Rui Silva competem, em vários meetings internacionais, com as cores da Nike.
Não estou contra os atletas que são profissionais e precisam do dinheiro suficiente para poderem viver e ajudarem a viver as suas famílias. O que eu lastimo é que tudo, mesmo os valores mais bonitos, sejam ultrapassados por um economicismo abarcante. Os atletas não estão errados. A sociedade é que não os deixa viver doutra forma. É ou não é verdade que o desporto de alta competição reproduz e multiplica as taras do economicismo neo-liberal? Ele tem virtualidades para ser um contra-poder ao poder das taras dominantes, mas encontra-se, quase sempre, nas mãos férreas de um dirigismo conluiado com o Ter e o Poder. E, desta forma, o desporto-saúde, o desporto-educação, o desporto-lazer morrem inevitavelmente. Não nos venham dizer que pode fazer bem à saúde um desporto onde o praticante está ao serviço do Lucro. Mesmo aqueles que são principescamente pagos hão-de, mais tarde, pagar bem caro a ingestão dos ditos ?suplementos vitamínicos? e a pressão física e psicológica a que são sujeitos. Os mais novos irão testemunhar o que venho a escrever...


  
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Edição:

N.º 157
Ano 15, Junho 2006

Autoria:

Manuel Sérgio
Universidade Técnica de Lisboa
Manuel Sérgio
Universidade Técnica de Lisboa

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