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A escola inclusiva precisa de coerência também no modelo de financiamento

Um estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, OCDE, concluiu que é menos dispendioso providenciar apoio apropriado e recursos num sistema escolar único inclusivo, do que manter um sistema paralelo de escolas especiais.
Ou seja, a inclusão é mais barata que a exclusão, mas também não deve ser tão barata como no modelo português, onde não existe sequer uma política de financiamento coerente e adequada aos valores integradores que se apregoam.
Em Portugal as escolas de ensino especial recebem um montante fixo por aluno com NEE que é três vezes superior às dotações ao ensino regular. Nas escolas públicas não existe transferência de verbas, sendo o apoio financeiro prestado indirectamente através do destacamento de professores, equipamento escolar, ajudas técnicas e ajudas sociais. As escolas regulares não podem gerir estas verbas e não existe qualquer fundo especial de financiamento às escolas regulares (European Angency fo Devlopment in Special Needs Education, EADSNE, 2004).
Quem trabalha nas escolas portuguesas pode encontrar situações ainda mais incompreensíveis. Num estudo de caso na região Oeste de Portugal, que comparou dois grupos de cinco alunos com deficiências profundas, cinco numa escola regular e cinco numa escola especial, verificou-se uma diferença de 1 para 12 a favor da instituição, em termos de verbas directas (Nogueira, 2005).
Essas diferenças foram alvo de reparos do Conselho Nacional de Educação, CNE, por duas vezes, que verificou um elevado montante gasto pelo Ministério da Educação e pela Segurança Social nas escolas especiais, sem que isso representasse, na maioria delas, a existência de recursos excepcionais que o justificassem. O CNE recomendou a limitação progressiva dos investimentos financeiros para o ensino segregado, canalizando-os para o ensino regular, com prioridade absoluta ao financiamento do ensino público no âmbito da integração.
Mas até hoje não são conhecidas quaisquer medidas que tenham tido em conta as recomendações nacionais e internacionais. Nem tão pouco se sabe se alguém se encontra, neste momento, a pensar neste aspecto vital para o sucesso da inclusão.  (...)
A forma de financiamento poderia ter duas abordagens: (i) atribuir um montante a qualquer escola para as NEE baseado no número total de alunos; ou (ii) atribuir um montante calculado por cada aluno com NEE.
A primeira modalidade não funciona em escolas pequenas, ou naquelas onde existe uma grande incidência de alunos severos com exigências excepcionais; e a segunda requer tempo de planificação e cálculo, podendo impedir que o financiamento chegue em tempo útil. Por isso, segundo investigadores como Hegarty (1994) e Mittler (2003), a melhor resposta poderá estar numa solução intermédia onde as escolas regulares recebem fundos para a inclusão de crianças com NEE de forma proporcional juntamente com o total da verba atribuída à escola, mas poderão depois candidatar-se a verbas suplementares para situações específicas.
Em Portugal as escolas regulares estão completamente arredadas da gestão de verbas específicas, sendo o ?parceiro pobre? deste processo. Existe um sistema de atribuição de ajudas técnicas e verbas do PIDAC, que se têm revelado insuficiente, desarticulado e inacessível. Também não é adequada ou estável, a criação de condições de transporte, prolongamentos, materiais, auxiliares e outros aspectos logísticos fundamentais para as escolas regulares. Faz-se uma gestão casuística mediante as regiões do país e as boas vontades locais.
Outro mecanismo usado é a Portaria nº 1102/97 de 3 de Novembro, através da qual é possível realizar projectos entre escolas regulares e instituições. Estes projectos são financiados pelo Ministério da Educação, ME, mas as verbas são dadas às escolas especiais, que as gerem e libertam técnicos para apoiar alunos na escola regular. Esta ligação de permanente dependência, se por um lado promove respostas que a escola poderia não conseguir levar a cabo, tem o efeito perverso de perpetuar uma perspectiva institucional, mantendo a ideia de que a melhor resposta para estas crianças depende das escolas especiais, bem como da existência de elevados rácios de técnicos, o que é errado. Isto impede as reformas necessárias no ensino regular, com o risco adicional de se estar a decalcar os modelos tradicionais de atendimento, não dando espaço às escolas regulares para valorizar uma oferta própria, rica em contextos, relações e aprendizagens significativas.
Vive-se a situação intolerável de uma escola pública não poder ter acesso a quaisquer verbas para integrar determinado aluno, mas se esse mesmo aluno for institucionalizado, essas verbas surgem de imediato, oriundas da Segurança Social e do próprio ME. Isto não possibilita sequer uma igualdade na oferta, condicionando os pais que ficam sem liberdade de escolha.
Há hoje muitos pais e professores a lutar diariamente pela integração das suas crianças na escola regular, pois é esse o seu sentir mais profundo. Cerca de 99% das crianças com NEE estão já nas escolas públicas. Mas em vez de vermos o nosso ME a saber ler os sinais da sociedade, a sentir orgulho nesse facto e afirmá-lo como uma batalha por si vivida; vemo-lo afinal a praticar uma inclusão envergonhada numa posição de subserviência a modelos promotores de segregação.
Seria gratificante ouvir de um responsável governativo que é na escola pública que se faz a inclusão e é ali que a aposta terá que ser ganha. Pelo contrário, as discrepâncias e contradições entre a retórica inclusiva e a prática de financiamento, são hoje um enorme obstáculo à implementação da educação inclusiva, levando-nos a duvidar se há alguém verdadeiramente interessado em construir uma escola inclusiva em Portugal.


  
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Edição:

N.º 155
Ano 15, Abril 2006

Autoria:

Jorge Humberto Nogueira
Mestre em Educação Especial
Jorge Humberto Nogueira
Mestre em Educação Especial

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