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Pais na escola: os maus da fita!

Na já vasta (e diversificada) literatura que toma a relação dos pais com a escola como objecto de estudo, ou que a ela se reporta num registo mais normativo, é possível identificar expectativas bastante diferenciadas em relação aos papéis que devem caber a estes actores educativos naquela relação. O reconhecimento dos pais como ?primeiros responsáveis pela educação dos filhos? transformou o seu ?direito legítimo? de envolvimento nos assuntos escolares num novo ?senso comum político-pedagógico?.
Aparentemente, em consonância com esse novo ?senso comum político-pedagógico?, a definição do que significa ser um ?excelente professor?, como observou Henry 1996: 15) (1), passou a integrar a capacidade de se relacionar com os pais e a comunidade. O que antes era considerado ?intromissão?, é agora reconceptualizado como ?colaboração?. Contudo, aquela reconceptualização parece, afinal, estar longe de ser uma realidade, pelo menos para alguns ?louvadores dos tempos transactos? (2), saudosos dos tempos áureos em que os alunos estudavam e respeitavam os professores e os pais se interessavam pela vida escolar dos filhos, reforçavam as decisões da escola e reconheciam o trabalho dos profissionais que aí exerciam o seu magistério.
Vem este intróito a propósito de um livro muito recentemente editado entre nós pela Campo das Letras, intitulado ?Pais contra professores?, tradução da obra francesa ?Parents contre Profs? da autoria de Maurice Maschino (3), e que o autor dedica ?àqueles que querem salvar a escola?. De facto, nesta obra, Maschino, que diz ?ter ensinado durante quase quarenta anos? e ?ter amado? o seu trabalho, proporciona-nos um vasto conjunto de ?testemunhos?, recolhidos, segundo afirma, nos encontros que manteve ?tanto em Paris, Îlle-de-France, como nas grandes cidades de província? (p. 17), que demonstram à saciedade que o referido novo ?senso comum político-pedagógico? afinal  está longe de constituir um adquirido.
Ao longo das cerca de duas centenas de páginas da obra o autor desenvolve um libelo acusatório contra os pais, e particularmente as suas associações, mimando-os com vários epítetos, como por exemplo, ?totalmente ignorantes?, ?raivosos?, ?vingativos?, ?quezilentos?, ?selvagens?, ?polícias de costumes?, ?megalómanos?, ?fazem de bobos?, ?irresponsáveis?, que ?vociferam? em vez de falar, chegando-se mesmo a sugerir que ?ladram? e que constituem uma ?matilha? (p. 64).
Brandindo a arma das ?questões pedagógicas?, verdadeiro instrumento de demarcação de territórios (tanto mais eficaz quanto mais nebuloso é o seu alcance), o autor revela-se particularmente crítico em relação à ?política suicida? de abertura da escola aos pais e dá um exemplo: ?Quando se trata da escola, o poder não hesita: coloca nos comandos uns arrivistas (as federações) e uns incapazes (os pais)? (p. 103).
Apresentando a escola como uma ?paisagem em ruínas, que muitos pais contribuíram, activa ou passivamente, para criar? (p. 162), Maschino defende, repetidamente, que se deve ?colocar os pais no seu devido lugar?, ou seja, em lugar nenhum, pois, como afirma noutra passagem, ?A escola sem os pais é, era?- uma oportunidade para as crianças? (p. 118), enquanto que hoje, devido ao ?entrismo?, e a outros ?modernismos?, a criança ?Entra na escola de espírito vivo, curioso, aberto, e sai dela transformado num completo cretino.? (p. 140).
Desenvolvendo uma argumentação pejada de contradições e inconsistências, onde virtudes e defeitos são manipulados ao serviço de um guião pré-definido, neste ?filme? os professores são sempre as ?vítimas? e os pais os ?maus da fita?. Contudo, há casos em que essas inconsistências se revelam demasiado óbvias. Um exemplo: por um lado, o autor propõe-se ?alegar a favor da nobre missão do professor? e defender o seu profissionalismo contra o ataque dos leigos, por outro lado, considera que os centros de formação de professores, espaços onde é suposto serem transmitidas as bases daquele saber profissional, são ?institutos embrutecedores?, elogiando aqueles que ?têm coragem de não ter minimamente em conta os ensinamentos recebidos? (p. 195) Esqueceu-se, contudo, de explicar como é que, sendo as escolas de formação de professores ?institutos embrutecedores?, os professores aí formados podem reivindicar o estatuto de ?profissionais?. Esta é apenas uma das muitas questões a que o livro não responde, se é que verdadeiramente chega a responder a alguma.

1) Henry, Mary (1996). Parent-School Collaboration. Feminist Organizational Structures and School Leadership. Albany:  State University Press.
2) Tomámos aqui de empréstimo esta expressão que colhemos no Relatório que precede os Decretos nº 1 e 2 de 22 de Dezembro de 1894 (reforma de João Franco/Jaime Moniz).
3) Maschino, Maurice (2005). Pais contra professores. Porto: Campo das Letras.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 154
Ano 15, Março 2006

Autoria:

Virgínio Isidro Martins de Sá
Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho
Virgínio Isidro Martins de Sá
Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho

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