O ?novo mundo escolar? não subentende apenas os novos alunos oriundos de sectores da população portuguesa (e não só) beneficiados pela democratização escolar.
Na sequência da colaboração anterior, onde tenho vindo a abordar algumas transformações que se vêm registando na população do ensino secundário, designadamente as que se traduzem no aparecimento de novas figuras de aluno, retomamos hoje a questão para relevar alguns dos efeitos dessas transformações, enquanto determinantes de um novo mundo escolar. O ?novo mundo escolar? não subentende apenas os novos alunos oriundos de sectores da população portuguesa (e não só) beneficiados pela democratização escolar. Mais do que uma ?inovação? quantitativa, resultante duma significativa alteração dos fluxos demográficos de acesso à escola, o que verdadeiramente contribui para a definição deste ?novo mundo escolar? é o aparecimento, em acelerado processo de consolidação, duma cultura da responsabilidade individual do aluno que, face à heterogeneidade real desse mesmo mundo, só pode contribuir para uma verdadeira dramatização da vida escolar no seu conjunto. A forma como se processa e aprofunda a interiorização dessa responsabilidade pessoal encontra o seu fundamento quase exclusivo na preocupação com o futuro, que ocupa uma grande centralidade na vida estudantil dos jovens de hoje. No trabalho empírico de suporte à investigação realizada (inquérito auscultando uma amostra de 400 alunos de escolas secundárias do Porto e periferia), dos muitos itens indicados para questionar os jovens sobre o significado do seu estudo, o item que afirmava ?estudo para garantir um futuro melhor? conseguiu um valor máximo de concordâncias ao nível dos 75%, (logo seguido de estudo para tirar boas notas, 63%) que traduz a sua razão instrumental. A esta representação da responsabilidade pessoal pelo futuro que cada um carrega sobre si próprio tem vindo a associar-se de forma crescente a convicção de que o trabalho pessoal é compensado e que o sucesso escolar no ensino secundário depende do esforço individual (quase 50% de respostas concordantes na sua máxima expressão (5 na escala de 1 a 5). Estes itens vão no sentido de permitir sustentar a afirmação de que o ensino secundário tem-se vindo a revelar particularmente apto a desempenhar uma função de formação que ganha sentido à medida que o aluno, enquanto indivíduo, se reconhece como autor do seu próprio sucesso/insucesso escolar e, consequentemente, responsável pelo seu próprio destino. A eloquência destes dados quanto ao poder de inculcação no sentido apontado parece tanto mais expressiva quanto os seus valores se afastam claramente de outros que visavam relativizá-los. Assim, por exemplo, o item ?estudo para corresponder àquilo que os meus pais esperam de mim? obtém uma adesão máxima de 33% no ponto 4 da escala de 5 pontos. Se tivermos em consideração que esta cultura, sob a ameaça do futuro, actua independentemente da ?qualidade? dos alunos ? os ?maus? alunos reconhecem igualmente a sua ?responsabilidade? na produção da sua qualidade ? estaremos em condições de compreender quanto a política da diferenciação dos currículos de formação passa cada vez mais longe da justiça social. E - quem sabe? ? invocando o nome dela com o aplauso das vítimas...
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