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A educação desportiva

Ao Congresso do Desporto, organizado pela Secretaria de Estado da Juventude e Desporto, que findou no passado dia 18 de Fevereiro, apresentei a seguinte proposta:

  1. Um Desporto que não seja apenas uma actividade física, mas também consciencializada por problemas sociais e políticos. Os efeitos preventivos e curativos da motricidade humana, na forma de jogo e desporto, no que respeita a diversas patologias, são indiscutíveis. Só que uma abordagem sistémica do Desporto atribui grande importância ao esforço físico, mas não esquece que o ser humano só se realiza, para além do físico, tendo em conta a complexidade humana que é corpo-mente-desejo-natureza-sociedade.
  2. O Desporto deve considerar a questão dos valores. ?Os valores do mercado penetraram em sectores da sociedade a que anteriormente presidiam condições de não mercado? (George Soros, ?A Crise do Capitalismo Global?, Temas e Debates, Lisboa, 1999, p. 105). Ora, a vocação do Desporto é ética, antes do mais. O Desporto (repito-me) não radica, unicamente, em princípios biológicos, como cartesianamente se pensou. O ser humano é um animal político... até a fazer desporto!
  3. ?Método e teoria são interdependentes. A metodologia, por simples ou básica que seja, depende de um conjunto de supostos teóricos. Por exemplo, a recolha de dados sobre o desporto requer (...) uma definição de desporto de modo que, antes do mais, ela esteja presente em tudo o que se faz. Sem esta orientação conceptual, não há parâmetros, nem fronteiras, nem limites? (Kendall Blanchard y Alice Cheska, ?Antropologia del Deporte?, ediciones bellaterra, s.a., Barcelona, 1986, p. 43). Para mim, o Desporto, como motricidade humana e como moral em acção, é epistemologicamente um dos aspectos de uma nova ciência humana e politicamente visiona o nascimento de um novo socialismo, que se confunde com uma democracia participativa e uma economia distributiva.
  4. ?O jogo é menos um divertimento que uma atitude fundamental e mesmo específica da existência humana (...). Com efeito, como já o mostrou Huizinga, quase tudo é jogo na existência humana? (Nicolas Grimaldi, ?Traité de la banalité?, PUF, Paris, 2005, pp. 155/156). Se quase tudo é jogo na existência humana, o jogo (e por extensão o desporto) tem a ver com quase tudo o que é humano. Daqui se infere que os curricula dos cursos de Ciências do Desporto estão ultrapassados e há, neles, novos saberes a estudar. O Desporto, quando é só uma actividade física, transforma-se normalmente num espaço donde normalmente despontam pessoas acéfalas e acríticas. O que pode acontecer com os programas das aulas de Educação Física, no Ensino Secundário. Substituição, no Básico e no Secundário, da disciplina de Educação Física, pela de Educação Desportiva que integraria, administrativamente, a Educação Física e o Desporto Escolar. E digo, administrativamente, porque conceptualmente tudo deveria repensar-se. Se as aulas de Educação Física se resumem a prática desportiva (sabem o que resta de uma aula de Educação Física, sem uma bola? Quase nada!); se é do conhecimento generalizado que estas aulas não educam físicos, mas pessoas em movimento intencional ? a Educação Física ?desportivizou-se? e, portanto, até aqui deixou de existir! Por outro lado, atendendo ao carácter educativo do Desporto que, se for entendido como um dos aspectos de uma nova ciência humana, não tem par, no cotejo com as demais disciplinas, sugere-se a criação da Educação Desportiva, como disciplina opcional, em todos os cursos universitários.

Dizia Lenine que ?nada é mais prático do que uma boa teoria?. Assim, em nome de um Desporto e de uma Sociedade diferentes, invoco a necessidade de uma Educação Desportiva que, em movimento intencional, se transforme numa Educação Problematizadora. Na Escola, no Clube, na Reabilitação, na Saúde em geral, no Espectáculo, na Universidade, o Desporto não pode destinar-se a adormecer as pessoas à recusa da sociedade injusta estabelecida. A revisão curricular das licenciaturas em Ciências do Desporto, acompanhada de uma crítica epistemológica, poderia ser o princípio da transformação que se anseia, em ordem à construção de um mundo novo.


  
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Edição:

N.º 154
Ano 15, Março 2006

Autoria:

Manuel Sérgio
Universidade Técnica de Lisboa
Manuel Sérgio
Universidade Técnica de Lisboa

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