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Os ricos aprendem a tocar violino os outros a dar pancada num tambor

O desinvestimento dos professores é proporcional à falta de perspectivas profissionais. É necessário apresentar novas perspectivas para o desenvolvimento da escola e da profissão. Pedir aos professores que centrem a sua atenção na ocupação dos tempos livres dos alunos não reforça, antes destrói, a perspectiva profissional. O resultado é o aumento da frustração profissional e pessoal dos professores e a manutenção da baixa aprendizagem dos alunos. Hoje os professores não andam animados e, mais do que zangados, andam, tal como os alunos, cada vez mais aborrecidos. As autoridades têm de sentir a urgência de alterar esta situação pantanosa e de relançar o processo educativo em Portugal.

«Foi difícil no início organizar os horários dos professores na componente não lectiva. Mas agora está tudo a correr bem. Todas as escolas do 1.º ciclo [oito] funcionam com o prolongamento de horário. O inglês abrange 100 por cento dos alunos. Dois professores do 2.º e 3.º ciclos vão por sua vontade ao 1.º ciclo para organizar um grupo de jogos tradicionais», afirmou aos jornalistas a presidente do Conselho Executivo do Agrupamento de Escolas de Alapraia, quando da visita do Primeiro Ministro José Sócrates no final de Fevereiro.
«Agora está tudo a correr bem», afirmou a professora Maria da Luz. Estará mesmo a correr tudo bem? Está a correr tudo bem em função de que objectivos atribuídos às escolas portuguesas? Se o objectivo é entreter os meninos, no interior do espaço escolar, durante o maior tempo possível, então, é capaz de estar a correr tudo bem pelo menos em Alapraia. Mas será destas coisinhas que a escola e a sociedade portuguesa precisam?
As medidas voluntaristas tomadas pelo ME estão a privilegiar a escola a tempo inteiro descurando a necessidade de elevar a qualidade das duas vertentes a que devia obedecer a nova educação, a  escolar e a «educação social». Mas estas medidas têm a virtude de nos convocar a todos a discutir como melhorar o ensino escolar e em que, como, onde, com quem se deve apostar na «educação social».
Tendo em conta as mudanças ocorridas nas nossas sociedades o sistema de ensino tem de ser repensado e, se possível, reinventado. À medida que a sociedade se foi tornando mais complexa foi para a escola que se encaminharam todas as obrigações não só de ensinar tudo mas também a de ser quase a única entidade socializadora das novas gerações. É preciso parar e dizer que a escola não funciona nesta amalgama de funções. É preciso entregar a educação escolar (ciências, tecnologias e artes) a uns e a «educação social» a outros. É preciso que o novo sistema de ensino se entenda com estes dois braços e que ambos sejam dotados das condições para desempenharem as suas funções com verdadeira qualidade. O objectivo de todos deve ser o de transformar o sistema educativo de modo a que ambas as componentes, a escolar e a social,  sejam de excelente qualidade.
Para que isso aconteça é importante dispor de dois corpos de profissionais, os professores e os educadores sociais. Todos com formação de excelência nos seus campos de intervenção. Os professores não podem dispersar-se nem podem ensinar o que não sabem nem é suposto saberem. Exige-se mais profissionalismo e menos voluntarismo. As autoridades educativas devem fomentar e exigir profissionalismo e não promover o amadorismo. É suposto que a professora de física seja excelente no ensino da física e que obtenha resultados de excelência, não se lhe pode pedir que, ao mesmo tempo, ocupe o tempo das crianças «ensinando-lhes» formação rodoviária ainda que esta possa ter alguma coisa a ver com a física. O mesmo se diga para o corpo de educadores-especialistas nas áreas da «educação social». Peça-se ao músico que ensine música, ao encenador que forme para o teatro, ao técnico de saúde que eduque para a saúde, não se peça ao bailarino que acompanhe os «deveres» de matemática. Quer aos professores quer aos educadores sociais pede-se que estudem mais, que gastem tempo em investigação-acção e que tenham a capacidade de despertar nos alunos que lhes cabe ensinar o gosto pelo saber.
Pais, mães e professores sabem que, actualmente, na escola pública, na área social, não se aprende nada a sério. Os pais que querem dar aos filhos alguma formação extra-escolar a sério sabem que têm de procurar o sector privado. É por isso que os filhos dos que têm algum dinheiro podem aprender a tocar violino os outros aprendem, na escola pública, quando muito, a bater com um pau num tambor. O que  se defende é que as  aprendizagens não escolares mereçam consideração séria da parte do sector público, recusando que elas sejam amalgamadas na escola com as actividades escolares e dependentes do voluntarismo, da carolice e de eventuais tempos mortos dos professores.
Todos os cidadãos têm direito e necessidade de aprender ao longo da vida outras coisas para lá do contemplado nas disciplinas escolares. Música, teatro, dança, educação para a saúde, educação sexual, património, educação cívica e politica, etc., etc., fazem parte da «educação social» que, numa sociedade democrática, o sector público deve disponibilizar às crianças, jovens e, porque não, aos adultos, contratando para isso profissionais competentes.
O sector público ? a partir do local ? deve organizar essa oferta de formação, mas ela, podendo, não tem de ocorrer necessariamente só no interior das escolas. Confinar as crianças a dez ou doze horas de permanência no mesmo espaço físico nem sequer é socializador e educativo. Importa assim dotar os nossos espaços  comunitários de equipamentos e de meios humanos capazes de acolher e promover uma educação social de excelência.
O Ministério da Educação está a fazer o mais fácil. Não promove nem exige a excelência do ensino e brinca à educação social, promovendo o faz de conta educativo. Ora faz de conta é o que nós temos há demasiado tempo quer nas aprendizagens disciplinares quer na «educação extra-escolar». E são esses faz de conta que é preciso ultrapassar. Exige-se profissionalismo na definição de objectivos para o ensino e para a «educação social». E, definido o que compete a cada um, é pedido o máximo profissionalismo quer aos professores quer aos futuros educadores sociais. A clareza de objectivos, o respeito pelas funções, os métodos e os espaços de cada um, a exigência de responsabilidade por parte de todos, pode promover o reinvestimento profissional dos professores, dar sentido profissional aos educadores sociais, e melhorar a educação dos nossos alunos e da população portuguesa na sua globalidade.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 154
Ano 15, Março 2006

Autoria:

José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.
José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.

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