A Escola organiza-se ainda em turmas, horários rígidos a toques de campainha, espaços de salas de aula; e com professores que trabalham isolados pretendendo ser os únicos ?homens/mulheres do leme? transmissores de um conhecimento apresentado como único, verdadeiro, imutável.
A crise actual da Escola parece ter como base uma ponte a arquitectar entre uma instituição com dois séculos e uma mudança permanentemente em emersão, ainda que de forma variável. A Escola organiza-se ainda em turmas, horários rígidos a toques de campainha, espaços de salas de aula; e com professores que trabalham isolados pretendendo ser os únicos ?homens/mulheres do leme? transmissores de um conhecimento apresentado como único, verdadeiro, imutável. Mas é também surpreendida por novos paradigmas, resultantes das alterações de muitas das regras sociais, do assomar de novos valores e da necessidade de ela própria poder continuar a investir e a acreditar que prepara cidadãos para um futuro que se queria previsível e exacto, mas que, assim, já não existe. Pareceria lógico que o Ministério da Educação, no âmbito da autonomia consignada para as escolas, permitisse que estas se organizassem de acordo com as suas necessidades; numa escola, o professor de uma disciplina ou área trabalharia somente dezoito horas; numa outra, em função do nível dos alunos devidamente diagnosticado, outro docente trabalharia vinte e duas. Tudo bem. Uma lógica semelhante, aliás, parece ter presidido ao espírito com que Maria de Lurdes Rodrigues iniciou o seu ofício, prevendo-se que cada Conselho Executivo definisse o que fosse melhor para a sua escola. E assim foi: uns marcaram quase trinta horas aos professores, outros continuaram com as mesmas do ano escolar anterior e outros nem sabiam o que fazer. Parecia que se encontrava uma nova saída para a gestão pedagógica das escolas neste ?remedeio? construído em nome da autonomia, da iniciativa local. Acontece que esta lógica não se prende, por exemplo, com a vertente sindical do trabalho igual, salário igual (que o 25 de Abril foi há mais de trinta anos, mas isso ainda não é muito). A rigidez da Escola em que tudo gira ao toque, não permite tais veleidades, se não se apostar num bom plano de gestão. E lá veio o ME definir (igualzinho para todos!) quantos são os tempos lectivos, os não lectivos, as substituições possíveis. Vinte e seis tempinhos; sem contar com reuniões e com o tempo de preparação de aulas e de correcção de trabalhos! Tudo ?a toque?? Mas não há igualdade nenhuma: quem mantém duas horas lectivas a menos para docentes do secundário em relação aos dos 2º e 3º ciclos, nunca foi à escola e não sabe nem da dificuldade em planificar estratégias para os mais novos, nem que é preciso também aí haver investimento científico; quem acha que planificar um nível (ano) é o mesmo que preparar vários, ou diferentes disciplinas, não sabe o que está a fazer quando distribui um igual número de horas para tal. Os professores, que percorreram numa grande parte do século vinte o caminho da garantia dos seus direitos, vêem-se agora a braços com um montão de acusações e de obrigações. Se esses deveres têm que ser assumidos, é muito mais importante não esquecer os direitos! Muitos docentes não avançaram com projectos de trabalho na escola como em anos anteriores - quando, afinal, parecia que iam ter mais tempo na escola para isso ? porque dificilmente se puderam organizar: não tiveram horários de trabalho comuns. Quase nada foi atempada e coerentemente planeado. Muitos professores passaram a estar na escola mais do dobro do tempo, mas o resultado disso pouco se vê; medida correcta ou não, deveria, pelo menos, ter sido faseada. Não houve negociação, nem implicação, nem sedução. Pelo contrário: jogou-se num discurso maldizente, no enxovalhar de um grupo profissional e isso não deu bom resultado. Se houvesse envolvimento, talvez os professores trabalhassem (como tantas vezes) sem olhar para o relógio... E com aumentos mínimos num país que é, dentro da Europa dos quinze, o que tem mais pobres e mais bilionários, não parece que se possa apelar muito aos deveres dos professores? Quem tem responsabilidades são os senhores com dinheiro para aplicar que, pelos vistos, não o fazem competentemente. Agora, não resta senão esperar que o ME saiba construir a ponte entre o velho e o novo. Sem atritos, sendo flexível junto de escolas autónomas e criativas, mas mantendo um papel regulador que garanta o bem-estar das comunidades educativas. O Ministério da Educação tem este enorme compromisso com os portugueses: encontrar caminhos e honrar a maioria absoluta que eles deram ao partido do governo. Se não se construir as pontes com dignidade, como é que atravessamos o rio, quando a corrente nos arrasta, a cheia nos ameaça e nós já nem podemos nadar?
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