Para além de projectos hegemónicos a nível global, estão também em curso outros projectos globais de contra-hegemonia económica, cultural e educacional (...) Em muitos deles, em tempos, lugares e modos diversos, Stephen Stoer esteve criativamente presente.
Apesar de ser bastante evidente, considerando indicadores vários, estarmos a atravessar uma conjuntura relativamente desfavorável à recepção (atenta, criteriosa e dignificante) dos contributos mais consistentes das ciências da educação ? em muitos casos, mesmo daqueles que são de autores e investigadores (individual ou colectivamente) reconhecidos e que decorrem de processos bem estruturados de pesquisa e bem sustentados em quadros analíticos e teórico-conceptuais validados ? não é isso que, por si só, constitui (ou constituirá) um obstáculo aos esforços de uma comunidade que quer consolidar-se, quer no âmbito nacional, quer no âmbito internacional. As adversidades, pelo contrário, devem induzir padrões cada vez mais elevados nas práticas de pesquisa científica e de reflexão no campo da Educação. A exigência académica, ética e metodológica, e a reflexividade política e cívica, não são desarticuláveis, ainda que esse risco esteja presente sobretudo quando constatamos que o campo educacional extravasou as suas fronteiras tradicionais e está a ser fragmentado e usurpado como bem público. Os constrangimentos que sobre ele pesam tornam difícil (mas não impossível) redefini-lo e reinventá-lo como um dos lugares possíveis de inscrição de projectos de emancipação social. Com efeito, o campo educacional é hoje, persistentemente, confrontado com interesses que o disputam tendo em vista as suas potencialidades mercantis e a sua permeabilidade a lógicas económicas de acumulação, em consonância com processos crescentemente hegemónicos de desvitalização simbólica, cujo resultado essencial tem sido a ampliação da exploração desregulada e a subalternização de culturas, raças, etnias, identidades, religiões, espaços nacionais e regionais. Mas há também movimentos, espaços, actores, redes e iniciativas que se vão fortalecendo para denunciar e resistir ao desmantelamento da Educação, e que nos ajudam a continuar a acreditar em novos ?espaços de esperança?. Entre outras, as boas ferramentas de pesquisa e de escrita (com a paixão e persistência de projectos individuais e colectivos duradoiros) são indispensáveis para produzir conhecimento novo, válido e pertinente. A produção partilhada, bem como a disseminação e a apropriação partilhável e democrática deste conhecimento vão muito além das autorias quando se tornam lugares de inspiração instigadora para novos desenvolvimentos e práticas, num processo sempre aberto de construção do campo da Educação, enquanto campo científico, profissional e de acção social e política. Não são, todavia, todas as autorias que marcam o campo da Educação ou que se constituem como contribuições incontornáveis. Algumas dizem-nos mais do que outras porque expandem o nosso olhar. A expansão do olhar rompe as fronteiras do quotidiano ensimesmado e leva-nos a estabelecer outras pontes e outras conexões. Para além de projectos hegemónicos a nível global, estão também em curso outros projectos globais de contra-hegemonia económica, cultural e educacional ? muitos deles, neste caso, alimentados por médias e pequenas contra-hegemonias que, por sua vez, são concretizadas em projectos partilhados e partilháveis. Em muitos deles, em tempos, lugares e modos diversos, Steve Stoer esteve criativamente presente. Com o seu jeito muito próprio de estar na vida, com a sua teimosa serenidade, com a sua reconhecida capacidade de trabalho e imaginação sociológica, esteve sempre à frente, atento aos grandes debates contemporâneos nas políticas educativas, com entusiasmo crítico e convincente que, todavia, nunca deixou de ser acolhedor porque sabia, melhor que ninguém, confrontar de forma persistente e perspicaz (mas também afectiva) ideias, posturas e perspectivas, incentivando muitos de nós a (re)descobrir caminhos, enfrentar dilemas e a traçar (outros) percursos. Com ele, eu próprio, fiquei a perceber melhor que o sentido da vida é tecido de convicções, realizações, transições, incompletudes ? lugares onde o futuro pode ser ancorado e recomeçar, qualquer que seja a viagem.
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