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Hogwarts − uma escola para se pensar

Na obra de Rowling, a escola nos interpela como lugar onde passado, presente e futuro se cruzam nos livros, nas práticas culturais cotidianas e na produção de soluções para problemas concretos.

(Re)conhecendo a saga de Harry Potter, escrita por J. K Rowling, encontrei o hino de Hogwarts (Devir, 2005), a escola de magia e bruxaria em que Harry, Rony e Hermione vivem suas aventuras e, a partir dele, voltei a me questionar: por que, na história do pequeno bruxo, a exemplo do que Costa (2003) afirma em um contexto cultural mais amplo, a escola rouba a cena? Que representações de escola estão ali colocadas? O hino da escola fala de estudantes ávidos por conhecimentos interessantes que precisam aprender, e pedem à escola que faça o melhor, pois se encarregarão do resto, estudando ?até o cérebro se desmanchar?. Assim como no hino, as narrativas de Rowling, nos livros e filmes, contam sobre uma aprendizagem que é trabalho, uma escola que foi, é e poderá ser o mundo lá fora, onde depois de sermos tocados magicamente por ela, nada será como antes, como afirma Hermione no filme Harry Potter e o cálice de fogo, recentemente lançado.
È neste sentido que há uma cultura da mídia, atuando como pedagogias culturais, que se exercem em uma diversidade de espaços sociais, para além da escola. Considero pertinentes os questionamentos de Costa (2003, 2005) sobre qual será a escola do futuro e quem são, que querem, e o que fazer com os jovens e crianças do século XXI que lá chegam. Para a autora, no contexto da educação contemporânea é possível vislumbrar a escola como um dos lugares do espetáculo da cultura pós-moderna do consumo, onde as práticas pedagógicas são tocadas, modificadas. Desta forma, talvez a literatura infanto-juvenil e a indústria cinematográfica, da qual Harry Potter é um exemplo, estejam nos sugerindo como endereçar nossos alunos em sala de aula.
As vidas de Harry, Hermione e Rony se desenvolvem na escola. A vida familiar, as relações de classe, de gênero, étnicas se cruzam dentro da escola. Em Hogwarts, como em muitas de nossas escolas, circulam representações de pobreza, riqueza, honestidade, desonestidade, de etnicidades, de esforço, de inteligência. Mesmo Potter, como a representação de um outro, destituído de família, é estimulado a utilizar sua capacidade de resiliência; precisa aprender a usar seus poderes técnica e eticamente. Ameaçado pelo mal, para ele a escola é o lar e o mundo lá fora.
Na obra de Rowling, a escola nos interpela como lugar onde passado, presente e futuro se cruzam nos livros, nas práticas culturais cotidianas e na produção de soluções para problemas concretos. Hogwarts é lugar da memória, da experiência, do desejo e da utopia, articulando elementos que capturam leitores/espectadores de todas as gerações. É um mundo onde varinhas mágicas identificam seus donos, vassouras voam e são negociadas a partir da lógica de mercado. Onde há uma rede de discursos de autoridade, hierarquia e poder regulados pela tradição e respeito mútuo. Mas em Hogwarts há, fundamentalmente, a representação dos aprendizes no ato de estudar, na escrita dos pergaminhos, nas pesquisas na biblioteca, no experimento e discussão nos espaços coletivos de convivência. Aprender é investimento, não mágica.
A cena de Hogwarts é constituída pela possibilidade de desenvolvimento individual. Pelo questionamento, permeado pelo medo, autoridade, amizade e confiança, constrangimento do ridículo como caminho para o novo. Pelos professores que falham e não são super-homens. Bruxos e não bruxos são atravessados por conflitos éticos na relação entre meios e fins. Perguntam-se sobre seus atos e são responsabilizados por suas condutas. Mas a escola também é aventura, gozo ao correr riscos, confraternização. Rowling não propõe um discurso de Terra do Nunca e Peter Pan, onde os meninos não crescem e as meninas são fadas bem comportadas. Meninos e meninas crescem, e crescer dói, gera conflitos, separações e novas cumplicidades.
Este crescimento parece ser elemento de identificação com os leitores/espectadores de Harry Potter. Na sociedade contemporânea, cada pessoa que passou pela escola, ao ler Harry Potter, revive, na história dos outros, a sua saída da infância, da adolescência, até tornar-se adulto. Em Hogwarts convivem as muitas escolas que nos constituem e representam o mundo lá fora, que nunca mais será o mesmo, como lamenta Hermione.

1.COSTA, Marisa Vorraber.(org) A escola tem futuro? Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
2.COSTA, Marisa Vorraber. Quem são, que querem, que fazer com eles? Eis que chegam às nossas escolas as crianças e jovens do século XXI. In: MOREIRA, Antônio Flávio; GARCIA, Regina Leite; ALVES; Maria Palmira (orgs.) Curriculo: pensar, sentir e diferir (v.II). Rio de Janeiro: DP&A, 2005.(no prelo)
3.DEVIR. http//:www.devir.com.br/harrypotter/hogwarts_into.php, acessado em 6 de novembro de 2005.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 152
Ano 15, Janeiro 2006

Autoria:

Marta Campos de Quadros
Mestre em Educação pela Ulbra, Especialista em Teoria do Jornalismo e Comunicação de Massa, e Docente do Curso de Comunicação Social da Universidade de Passo Fundo/RS.
Marta Campos de Quadros
Mestre em Educação pela Ulbra, Especialista em Teoria do Jornalismo e Comunicação de Massa, e Docente do Curso de Comunicação Social da Universidade de Passo Fundo/RS.

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